Qualquer um que já tenha assistido jogos de
futebol presencialmente sabe que a experiência é totalmente diferente quando
estão presentes as torcidas organizadas, seja no futebol profissional ou no
futebol amador. Com seus batuques, cantos, coreografias e artes visuais, a
presença da torcida organizada interfere não somente nos espectadores das
partidas, mas no brio dos que estão dentro das quatro linhas.
Se a presença de torcida praticamente transforma
um esporte em outro, o que ficou explícito nas partidas televisionadas onde não
houve a presença de público nos estádios devido a pandemia, a presença da
torcida organizada também transforma o esporte. Futebol sem torcida é uma
coisa, futebol com torcida é outra, e futebol com torcida organizada é uma terceira
coisa diferente das duas.
Porém, nem só de méritos se faz a realidade
das torcidas organizadas. Essas entidades, que a mídia burguesa adora
criminalizar buscando atender aos seus interesses privados de classe, dão
munição aos seus críticos mais vorazes.
É sabido que as organizadas são entidades
plurais com diferenças significativas entre seus membros, com divergências
políticas e diferentes condutas. Mas também é sabido que todas elas possuem o
seu setor de “pista”, sua linha de frente, que são os que caem na briga com
outras torcidas. Essas pessoas são maioria? São diretamente ligadas à direção
da torcida organizada? São perguntas pertinentes mas que não alteram a
constatação do fenômeno visto de forma geral.
Recentemente a Gaviões da Fiel publicou uma
nota questionando a Federação Paulista de Futebol e a Polícia Militar por “marcar
e autorizar a realização de dois jogos no mesmo dia, com horários próximos, de
duas torcidas organizadas rivais da capital paulista”, já que estas utilizariam
a mesma linha de metrô e afirmam que não se responsabilizariam pelos “possíveis
confrontos”.
É inegável que a nota é um passo no sentido
de impedir brigas, isso deve ser dito. Mas também é perceptível que a
organizada busca se desresponsabilizar pelos conflitos que possam acontecer.
Apenas a Federação e a Polícia terão responsabilidade caso ocorra qualquer
briga? A nota transmite em suas entrelinhas uma concepção viril, até bélica, de
torcida organizada. Como se houvesse nos sujeitos um instinto animal intransponível,
seres humanos violentos por natureza. Torcedores de futebol não são crianças, embora
exista adolescentes entre eles. São adultos que possuem responsabilidades pelos
seus atos.
Sim, há um contexto de violência que deve ser
considerado. A violência da torcida de futebol é produto de uma violência
cotidiana produzida pela burguesia e por seu Estado burguês. Como pontua Milly
Lacombe em sua coluna do dia 23/01/22, o transporte público precário é uma
violência, a carestia também é uma violência, assim como o abuso sexual sofrido
pelas torcedoras, e afirma que se você trata o torcedor como um bicho, ele vai
se comportar como um bicho. O poeta alemão Brecht tem um poema bem elucidativo
acerca da questão: “do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém
diz violentas as margens que o comprimem”.
Conhecer o contexto é fundamental para uma
análise correta sobre a violência das torcidas organizadas, só que nos
limitando ao contexto não damos conta da totalidade.
Um trabalhador fura uma greve na fábrica pois
corre o risco de ser demitido. Compreendemos o contexto que leva o trabalhador
a furar a greve e enfraquecer o movimento? Claro. O risco de ficar sem seu
ganha pão e ter dificuldades em sustentar a família é iminente. Mas os
trabalhadores que estão na greve lutando por melhores salários também correm o
mesmo risco. Entender o que leva o fura-greve a fazer o que fez não
impossibilita que julguemos errada sua ação. Não responsabilizarmos o
trabalhador fura-greve por suas ações é infantilizá-lo, é dizer que ele não
tinha outra opção. Até que ponto não estamos infantilizando as torcidas
organizadas justificando suas ações pelo contexto em que vivemos?
Possuir uma concepção relativista da
violência entre torcidas é desconsiderar que as pessoas que as integram são
trabalhadores, sujeitos de uma história que não é dada.
O conflito que permeia nossa vida é a luta de
classes. A luta entre os que produzem as riquezas mas que são privados de usufruir
das coisas que produzem contra os que se apropriam da riqueza produzidas por
outros. A luta contra a retirada de direitos, pela aposentadoria, por um
serviço público de qualidade, por um salário digno, etc. A luta de classes é o
motor da história, e não a luta entre torcidas. O objetivo histórico da classe
trabalhadora não é a ditadura tricolor, alvinegra, ou alviverde, é a ditadura
do proletariado.
Na classe trabalhadora há tricolores, corintianos,
flamenguistas, palmeirenses, santistas, entre vários outros, e esses compõe a
classe trabalhadora. A conquista do poder político deve ser obra da classe
unida, já que torcedores de diferentes times não são inimigos. O inimigo é
outro.
Como diz a Internacional: “paz entre nós,
guerra aos senhores”, ou, parodiando o Manifesto do Partido Comunista: organizadas
de todo o Brasil, uni-vos!