quarta-feira, 30 de maio de 2018

O que fica da greve dos caminhoneiros?

     Algo não esteve normal em nossas vidas nos últimos dias. Escolas paradas, lojas fechadas, fábricas dando férias coletivas, um reduzido movimento de carros nas ruas e filas enormes nos postos de gasolina. Não foi o apocalipse, foi a greve dos caminhoneiros que impactou diretamente em nossas vidas.

     Mas por quê a greve dos caminhoneiros nos afetou em cheio? Isso a história do Brasil e seu processo de industrialização nos responde. A ponta de lança da industrialização do Brasil foi a indústria automotiva e isso refletiu na preferência por rodovias. Em meados da década de 50 as montadoras vieram para o Brasil e fez-se necessário grande investimento nas rodovias. É a velha história, "quem paga a banda escolhe a música". Como a indústria automobilística financiou o desenvolvimento da indústria, o Estado cedeu às suas reivindicações, investindo em uma imensa malha rodoviária. O Estado serviu aos patrões antes, serve hoje e servirá enquanto existir o Estado burguês.

     O movimento grevista dos caminhoneiros, que no início foi difícil de compreender foi se desenhando no decorrer dos dias. Não sabemos ao certo se tudo começou com os donos das transportadoras ou com os próprios caminhoneiros, mas em um primeiro momento, foram os caminhoneiros autônomos que tomaram a palavra. Logo em seguida começa a ecoar a denuncia de locaute, ou seja, patrões tensionando seus trabalhadores a não trabalharem para pressionarem o governo, e assim, aumentarem seus lucros. Os donos de transportadoras estavam financiando churrascos para os até então grevistas. Houve declaração de um desses patrões dizendo que qualquer caminhão de sua frota pego em movimento poderia ser queimado. Em um terceiro momento, após alguns representantes ocos fazerem acordos com o governo - o que obviamente não cessou o movimento - a rede Globo que até então vinha com uma narrativa de apoio aos caminhoneiros, começa a mudar de lado. No Fantástico do último domingo (27/05), bem como em todos os seus jornais, a Globo passou a mostrar o impacto da greve na vida dos brasileiros. Assim como fez nas jornadas de junho de 2013 com as intervenções ridículas de Arnaldo Jabor, criminalizou o movimento em um dia e no outro o glorificou, mudando o tom de voz da maneira que convinha.

     Não estranhamente, bisbilhotando no site da Confederação Nacional da Indústria (CNI), da burguesia organizada, encontrei uma nota onde diz: "Não é hora para movimentos oportunistas. Novas paralisações nesse momento são inaceitáveis. Cada um precisa assumir a sua parte de responsabilidade para superar essa situação. (...) A indústria brasileira, representada pela Confederação Nacional da Indústria, pelas federações estaduais e pelas associações setoriais, conclama as autoridades a buscar uma solução imediata para essa situação. É fundamental que a Presidência da República, o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal, o Ministério Público e os governos estaduais se empenhem para vencer essa crise."

     Com um tom enérgico, a burguesia organizada chama o Estado pra fazer o que acha que tem que ser feito. Após perder muito dinheiro com essa paralisação, não é loucura interpretar essa nota como um chamado ao braço repressivo do Estado, ou seja, as polícias e o exército.

     Podemos interpretar o movimento de diversas maneiras. Como uma disputa entre frações da burguesia: as transportadoras, via locaute, buscando uma maior fatia do Estado, e as outras frações tensionando por não dividirem fatia nenhuma. Podemos analisar também que a fração de transportes compõe a CNI e que esta, após conquistar alguns acordos utilizando-se do movimento grevista, passou a escrachá-lo. Não possuo a informação sobre as transportadoras integrarem ou não a CNI, e acho difícil ter essa informação, no entanto, o que podemos ver é que o movimento que teve uma parcela de locaute e que foi apoiado pela Globo, após um dado momento deixou de ser apoiado pela família Marinho. O movimento que até então não tinha bombas e balas passou a ter elementos de repressão. Seja qual for a situação de aliança das frações da burguesia, alinhadas ou não, seus interesses são os mesmos: aumentar seu lucro e sugar o suor e o sangue da classe trabalhadora.




     É preciso diferenciar a categoria "caminhoneiros": existem caminhoneiros contratados, existem caminhoneiros autônomos (e isso nada mais é do que uma relação de emprego encoberta), existem os que tem caminhão alugado para fazerem seu serviço, bem como há os "pequeno-burgueses" que alugam seus caminhões para outros.

    Com o desenvolvimento do capitalismo, as relações jurídicas de trabalho vão se alterando. Se alteram as condições jurídicas se mantendo a essência. E qual é a essência? A exploração do trabalho. Ainda que seja um "pejotinha", um MEI, dono de seu próprio caminhão, esse caminhoneiro não deixa de ser subjugado à um patrão. Essa relação está apenas velada. Os caminhoneiros de caminhão alugado nem se fala, possuem menores condições do que os outros de reproduzir sua vida e de seus dependentes.

     São esses caminhoneiros parte da classe trabalhadora? Me parece que uma mercadoria, estando ela à 800km de distância, não contém o mesmo valor que conteria estando ao meu lado. Se os caminhoneiros é que fazem esse trabalho, se estão vendendo sua força de trabalho e estão produzindo valor sendo extraída mais-valia deles, me parece que isso nos une. E se nos une, porque exitamos em apoiá-los? Voltarei nisso mais adiante.

     Em alguns momentos, parte da classe trabalhadora, alienada e bombardeada pela ideologia, adere a movimentos nada revolucionários e o maior exemplo disso é ver que uma parcela do movimento grevista reivindicou intervenção militar. Nada muito diferente do que ocorre em fábricas e escolas, mas se esse fenômeno intervencionista ocorre em setores que julgamos fundamentais, como os metalúrgicos, e temos que lidar e lutar contra isso, por que não com os caminhoneiros? Não me parece que esse é um argumento sensato que justifique não dialogar com essa categoria. Podemos alegar que não havia pautas da classe trabalhadora como um todo, a exemplo da terceirização e reforma trabalhista, mas isso reflete que nossas organizações não as construíram junto à eles.

     A intervenção militar, reivindicada no movimento, talvez não seja puramente uma reivindicação dos caminhoneiros, mas sim de direitosos que não são caminhoneiros inseridos no movimento. No entanto, tão leviano quanto dizer que toda a categoria pensa dessa maneira, seria dizer que poucos assim pensam. Lembremos que o movimento é heterogêneo, tendo também pessoas que defendem Lula. Alardear uma possível intervenção militar, argumentar que antes do golpe no Chile de Allende houve uma greve de caminhoneiros semelhante, é desconsiderar o contexto geopolítico da época. É desconsiderar que os golpes militares de 60/70 ocorreram em um contexto de Guerra Fria, onde esses golpes foram jogadas de um jogo maior de xadrez que era jogado por EUA e URSS, em momento de efervescência de movimentos populares - diferente de agora, de um momento de apassivamento das lutas fruto do ciclo petista. Sabemos que na perspectiva da burguesia, explorar na democracia é muito melhor do que explorar na ditadura. Então, se a intervenção militar é uma possibilidade -e não tenho duvida que é, ela não é a tendência dominante. As recentes manifestações dos milicos de patente alta serve pra ficarmos atentos, mas não alardeados. O próprio comandante do exército, Villas Bôas disse: "aprendemos a lição" e "estamos escaldados". A democracia burguesa continua firme, com alguns percalços, mas anda do jeito que deve andar aos interesses dos patrões.


     Concluindo, ao contrário de uma parcela da esquerda, resignada em denunciar apenas o caráter de locaute da mobilização - que é óbvio que houve - e tampouco berrar apoio total e irrestrito, convocando greve geral como se o coco caísse do coqueiro apenas com berros, prática do PSTU, devemos analisar com cautela, e tirar saldos educativos disso. Na medida do possível alguns tentaram dialogar com esses trabalhadores, alguns com sucesso e outros não, como o ocorrido em alguns locais onde sindicalistas e partidários da esquerda foram escurraçados e deram meia volta. Apoiar cegamente é um erro, tratar como mero locaute também. Temos que mostrar aos nossos que a greve é um instrumento de luta eficaz, que parar não apenas a circulação, mas a produção de mercadorias elevariam nossas lutas à outro patamar. No movimento grevista dos caminhoneiros houve trabalhadores e patrões, e assim sendo, separar o joio do trigo e ampliar as nossas lutas a partir da tensão que paira no ar é nosso dever de casa.

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