sábado, 20 de junho de 2020

A esquerda fora do baralho


Há mais de cem anos, desde o início do século passado, o Brasil passou por inúmeras crises e períodos de efervescência. Em todos esses momentos os trabalhadores e suas organizações de esquerda se colocaram como forças determinantes.
Greve geral de 1917 e ocupação de São Paulo, tenentismo e a Coluna Prestes, luta contra o integralismo, ascensão do sindicalismo e dos movimentos populares, criação das ligas camponesas, guerrilha e luta armada, ressurgimento do sindicalismo e do movimento de luta pela terra, criação da CUT e do PT.
Em todos os momentos em que o negócio esquentou no cenário brasileiro a esquerda tinha algum representante entre as forças atuantes, sejam eles mais reformistas ou revolucionários, em todos. Todos até agora.
Vivemos agora uma situação inédita nos últimos 130 anos. Pela primeira vez a esquerda, seja ela pelega ou combativa, não é força relevante no conflito. A esquerda está a reboque, sendo conduzida pelos defensores da operação lava-jato, Globo, Rodrigo Maia e toda a fração da burguesia que estes representam.
As organizações de esquerda após entrarem de cabeça nas instituições burguesas, acabaram se escondendo atrás das forças protagonistas, a extrema direita fascista e a direita lavajatista, que se estapeiam abertamente.
Se isso é uma crise de identidade das organizações de esquerda eu não sei, mas se não é deveria ser.

Futebol e luta de classes

A luta de classes é o motor da história. Um velho amigo me dizia que a história da humanidade é a história da luta de classes. Servos e senhores feudais, escravos e donos de terras, proletariados e patrões.

Nos dias de hoje a luta de classes é facilmente identificada nos serviços privados. Um exemplo claro disso são os trabalhadores de uma fábrica lutando por um salário maior, diminuindo a fatia do lucro do patrão. Essa é uma entre tantas outras formas em que se expressam a luta de classes.

Mas ela não se limita às fábricas. Onde há trabalho, onde há trabalhadores, há luta de classes. A luta de classes está nas fábricas, mas também nas escolas, na música, nas casas e também no futebol.

Por mais que babacas como Caio Ribeiro e Tiago Leifert digam que futebol e política não devam se misturar, essa relação não é uma escolha. Ela já está dada.

De que forma a luta de classes se apresenta no futebol? De diversas maneiras.

Uma delas é na concepção de que o futebol só deve ser assistido por quem pode pagar. Esse é o precesso de elitização dos estádios, onde é notável que os espectadores embranqueceram e se gourmetizaram. A população pobre foi excluída dos estádios por não poder pagar os caros ingressos. Não precisa ser nenhum gênio da sociologia pra saber que dentro desse debate tem a questão do racismo que inevitavelmente tornou os torcedores presente em sua grande maioria brancos. Esse é uma maneira em que se expressa a luta de classes no futebol. O direito a apreciar o esporte.

Há também uma forma mais clássica onde se expressa a luta de classes. Quanto ganham os roupeiros dos clubes? Quanto ganham as faxineiras? As cozinheiras? Os jardineiros? Ganham o mesmo tanto que os diretores ou que alguns célebres jogadores?

Assim como no teatro há o pessoal que trabalha no contrarregra, o futebol tem os seus. Aqueles que são fundamentais mas que não dão entrevistas depois do jogo. Sem eles não há uniformes, a grama não estaria cortada, o uniforme não estaria limpo, os jogadores não seriam transportados, etc. Esses trabalhadores são tão fundamentais quanto jogadores e dirigentes, mas recebem muito menos.

Quando Cristiano Ronaldo se transferiu para a Juventus de Turim por um valor astronômico de 447 milhões de reais, pago pela mesma família que é dona da Fiat e da Juventus, os trabalhadores da Fiat ameaçaram entrar em greve. Como os patrões daquela empresa teriam dinheiro pro Cristiano Ronaldo mas não para seus salários? Aqui a luta pelos salários não era de trabalhadores ligados ao futebol, mas sem dúvidas o lucro dos patrões desses empregados está relacionado ao esporte.

Quando em 2014 alguns movimentos da esquerda cantavam "não vai ter copa", questionando o valor absurdo gasto com os estádios, os despejos da população pobre e a farra das empreiteiras - que depois viria a tona, a direita e inclusive uma esquerda pelega davam risada. Nunca antes na história desse país os patrões da construção civil lucraram tanto. Lucraram com o suor dos trabalhadores, como sempre.

A luta de classes está também na disputa pela história do futebol. A posição de não assumir uma narrativa eurocêntrica que atribui toda existência do futebol brasileiro exclusivamente a Charles Muller é uma posição política. Assim como relembrar que seu passado é aristocrático e segregador, onde os pobres e negros não podiam jogar futebol nos clubes, pois os clubes eram só para ricos. Quando se esconder os fatos é habitual, a história se torna um campo de disputa.

Até mesmo nos campos de várzea ou futebol amador, esses que são praticados por trabalhadores nos finais de semana. Os campos de futebol são cada vez mais raros. A especulação imobiliária vê nesses campos a possibilidade de ganhar muito dinheiro construindo prédios. Para nós é a oportunidade de jogar, para eles é oportunidade de lucrar.

Luta de classes e futebol são tão ligados quanto o pé e a bola. Como em qualquer outro lugar em que a luta se expressa, é disputa, é conflito. Conflito inconciliável entre classes antagônicas, entre patrões e trabalhadores.

Negar isso já mostra o lado da trincheira que se ocupa. Do nosso lado da trincheira cabem torcedores de todos os times, todas as cores. Só não cabem reacionários.

Nem guerra entre torcidas, nem paz entre as classes!

quinta-feira, 11 de junho de 2020

Movimento Negro da Globo


Os repórteres da GloboNews cobrem as manifestações contra o racismo nos EUA na íntegra. Informam que hoje é o oitavo dia seguido de passeatas e ressaltam com um tesão de encher a boca quando dizem que ela é pacífica. Pontuam que alguns, uma minoria, adere ao quebra quebra em certo momento e que assim deslegitimam o movimento.
Nessas matérias eles também dizem que os manifestantes marcham por 4h, 5h ininterruptas.
Sem dúvida essas marchas são uma demonstração de força da luta antiracista. Mas apenas demonstração, simples amostra da capacidade que essa pauta pode ter. Se limitar a essa demonstração pode ser inútil. Não é poder de fato. O Trump e toda polícia racista dos EUA podem assistir tranquilamente essas manifestações por semanas, meses, sem mudar absolutamente nada a situação dos negros no país. O mesmo policial que abraça um manifestante hoje tem grandes chances de atirar nele amanhã.
Aliás, uma repórter de rua diz que a palavra de ordem mais radical que há nas manifestações é a que acusa a polícia de ser racista. Muito distante do "todo poder para o povo" dos tempos de Panteras Negras e que poderoso nenhum tinha simpatia.
O que incomoda é o que transforma, o que incomoda é a força sendo exercida de fato.
A história nos ensina algumas lições. Martin Luther King quando foi morto, em Memphis, estava na cidade para acompanhar a greve de trabalhadores sanitários, trabalhadores em sua maioria negros que não estavam recebendo seus salários. Ainda que o Pastor tivesse feito marchas em sua caminhada, sabia que o apoio as greves de trabalhadores negros era fundamental. Marchar era importante, mas não bastava.
Assim como Malcolm X e Steve Bikko já disseram, existe uma inseparável ligação entre capitalismo e racismo, que só será quebrada com protestos e ações que incomodem. Greves, piquetes, quebra quebra, ações que não emocionem os toscos repórteres liberais da GloboNews.

Entre o racismo e o movimento negro liberal

A primeira classe trabalhadora desse país foi de trabalhadores escravizados. Essas pessoas não vieram porque quiseram, vieram sequestrados da África para serem explorados pelos colonizadores brancos.
Isso significa que grande parte da classe trabalhadora é composta por pretos por herança da escravidão. Esse é o racismo estrutural, é o racismo servindo para aumentar a extração de mais valia e aumentar o lucro dos patrões.
A luta antirracista não é secundária, não é menor do que a luta de classes. Ela é intrínseca! Desconsiderar isso como parte da esquerda faz, além de ser burrice é racismo.
Por outro lado, colocar o debate racial acima da perspectiva de classe, taxando o movimento dos trabalhadores de "eurocêntrico", abre caminhos perigosos para a luta dos trabalhadores pretos. Mais os ilude do que os emancipa.
Não é possível ver com bons olhos grupos que exaltem o representante do imperialismo lacrador, Barack Obama. Embora a representatividade seja importante, não é possível em nome dela passar pano pra quem fuzila crianças em busca de petróleo. Além do mais se tratando de crianças negras, uma vez que os EUA sob comando de Obama bombardearam dois países africanos, a Líbia e a Somália - entre muitos outros.
Se em nossa classe há mulheres, nós seremos contra o machismo! Se em nossa classe há pretos, nós seremos contra o racismo!
Mas de maneira alguma iremos nos aliar com a latifundiária Kátia Abreu ou ao presidente da Fundação Palmares que apesar de ser preto destila ódio contra o próprio movimento.
Um movimento negro que reivindica o empreendedorismo, que busca o direito de explorar os próprios pretos, esse é contrário a libertação dos trabalhadores.
Se o patrão é homem ou mulher, se esse é negro ou branco, não nos interessa.
Nem racismo, nem exploração! Paz entre nós, guerra ao patrão!

Escola, pandemia e luta de classes

A luta de classes é o motor da história. Um velho amigo me dizia que a história da humanidade é a história da luta de classes. Servos e senhores feudais, escravos e donos de terras, proletariados e patrões.

Nos dias de hoje a luta de classes é facilmente identificada nos serviços privados. Um exemplo claro disso são os trabalhadores de uma fábrica lutando por um salário maior, diminuindo a fatia do lucro do patrão. Essa é uma entre tantas outras formas em que se expressam a luta de classes. Mas ela não se limita às fábricas. Onde há trabalho, onde há trabalhadores, há luta de classes. A luta de classes está nas fábricas, mas também no futebol, na música, nas casas e também nas escolas.

A luta de classes está na escola em duas dimensões. Uma delas é a pedagógica.

É na escola pública que os filhos dos trabalhadores passam por anos de suas vidas. Por horas e horas, cinco dias na semana. Lá eles aprendem a narrativa dos que invadiram, estupraram e mataram como se fossem conquistadores. Aprendem a não aprender muita coisa, aprendem a obedecer e não questionar.

Essa dimensão se refere ao currículo, aos conteúdos, no trato com os alunos. É na especificidade do trabalho pedagógico. Quando ensinamos que o Brasil foi invadido e não descoberto, ao respeitarmos os pais que não vão a reunião de pais pois estão trabalhando, ao optar abordar os conteúdos sob a ótica dos explorados e oprimidos e não dos exploradores e opressores. Essa é a dimensão pedagógica da luta de classes.

Mas há uma outra dimensão da luta de classes na escola que não é específica dos professores. É a dimensão de trabalhador assalariado, a dimensão trabalhista, que é comum à todos outros trabalhadores. Esse trabalhador assalariado se depara com diversos problemas. Seu cotidiano é de baixos salários, salas superlotadas, falta de estrutura física, assédio moral. É lidar com superiores que defendem os ataques do Estado, seja em âmbito federal, estadual ou municipal. Superiores que passam pano para a retirada de direitos e abafam qualquer forma de resistência.

Os trabalhadores da Educação pública possuem condições precárias de trabalho ao mesmo tempo em que seus empregadores dão isenção de impostos para empresas, superfaturam contratos, fazem obras sem necessidade, apenas para benefício das empresas contratadas. Para as escolas a contingência, para os empresários a fartura.

No âmbito das escolas privadas a dimensão trabalhista da luta de classes na escola é mais escancarada. A busca de melhores condições de trabalho é assombrada pelo fantasma da demissão. Nas escolas privadas qualquer exigência por melhores salarios é em detrimento do lucro dos empresários da Educação. A mobilização aqui é um cabo de guerra contra a mais valia pedagógica.

Mas porque os professores insistem em considerar apenas a dimensão pedagógica e fingem não ver a dimensão trabalhista da luta de classes nas escolas? Quantos de nossos colegas de trabalho possuem posicionamentos político-pedagógicos progressistas mas se limitam a travar a luta de classes apenas na dimensão pedagógica?

Para esses professores do campo progressista ir a uma assembleia salarial, protestar contra o sindicato pelego, protestar contra a retirada de direitos ou ir aos atos de rua parece alucinação. Se limitam a trazer esses debates para a sala de aula enquanto os mesmos não se colocam em movimento. Debater os motivos disso não é o objetivo aqui, mas sim dizer que essa postura deve mudar.

Enquanto as mobilizações estão apenas no campo pedagógico, de qualificar o trabalho com os alunos, muitos professores continuam inertes. A tolerância ainda se mantém alta. Mas no c

ontexto da pandemia de Covid-19 essa realidade mudará, por uma questão de vida ou morte, e de classe.

Não se trata mais de exigir menos alunos por sala ou uma estrutura física adequada para poder ensinar melhor. Trata-se de fazer essas reivindicações para não nos contaminarmos. Em última instância, é melhorar as condições de trabalho para não morrermos. A demanda pedagógica vira uma demanda sanitária. O direito a aprendizagem se transforma em direito a vida!

Nesse contexto, muitos professores terão que descobrir que luta não se faz apenas em sala de aula. Luta não se faz apenas ensinando a luta que outros fizeram em outros tempos. A luta é necessária agora, nos colocando contra a volta as aulas e sabendo que isso é um enorme risco. É necessário sermos firmes e voltarmos para nossas atividades apenas se nos garantirem condições de trabalho que poupem nossas vidas, a vida de nossas famílias e a vida de nossos alunos.

Ter em mente essa dimensão do direito a vida é tão necessária quanto termos clareza da enganação que é o ensino a distância, onde professores fingem que ensinam e os alunos fingem que aprendem. O trabalho pedagógico se faz no tete-a-tete e com segurança.

A luta de classes, para além de sua dimensão pedagógica, se faz com nossos colegas de trabalho construindo coletivos e oposições sindicais denunciando os conchavos entre as direções picaretas e nossos empregadores que além de nossa força de trabalho e de nossa sanidade, no momento colocam em risco nossa vida.

Se os trabalhadores da escola ao serem contaminados ficarão a mercê dos serviços públicos superlotados, se não podemos fazer como os patrões que ao se contaminarem pegam seus jatinhos e se internam em leitos de hospitais particulares, que usemos nossa ferramenta histórica: a greve.

Enquanto não houver segurança e enquanto não houver qualidade não haverá aula!