quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Justiça pra quem?

   Quando assistimos às declarações de famílias que foram vítimas de violência urbana, é comum que essas declarações sejam banhadas de sentimentos de justiça. Nada mais compreensível. Nos sentiríamos reconfortados de saber que a pessoa que nos causou pânico, nos trouxe tristeza, desespero e fez algum mal para alguém querido, sofresse ao ser preso, tomasse uma surra. O criminoso sentiria na própria pele um pouco do que fez. Justiça. Ou vingança.
   É muito fácil e superficial quando observamos os atos criminosos e fazemos o julgamento pensando em quem foi prejudicado. Vou exemplificar. Um assalto. Um marginal anuncia um assalto, o estudante resiste, reage e leva um tiro. O marginal sai correndo. Quando noticiarem o ocorrido, o noticiado será a tentativa de assalto, a reação e o tiro. Quando forem detalhar quem eram os sujeitos do acontecido detalharão apenas quem era o estudante que levou um tiro. Dirão que era um estudante aplicado, uma pessoa contente, que tratava bem a todos, tinha uma dieta balanceada, o que fazia em seu tempo livre, etc. Um sentimento de solidariedade tomaria conta de mim, pois  o estereótipo dele é muito parecido com o das pessoas que fazem parte do meu cotidiano. O estereótipo dele é muito mais parecido com o meu do que o estereótipo do marginal, embora ninguém tenha se preocupado em mostrar a rotina deste.
   Mas por que não mostrar a rotina do marginal? Vamos criar outra situação fictícia, agora do marginal. Este adolescente possui uma mãe. A mãe que sustentava a casa não consegue trabalhar pois está doente. O filho/marginal a tempos tentava conseguir atendimento e remédios para a mãe no serviço público de saúde. Depois de meses de tentativas o filho se cansa. O adolescente tem o conhecimento de que existe uma maneira mais rápida e fácil de se conseguir dinheiro para poder comprar os remédios. No lugar onde ele mora vários amigos de infância trabalham a tempos com esse tipo de atividade fácil e rápida de se conseguir as coisas. Ele se cansou de esperar e fará o óbvio. Ele irá tentar de novo marcar consulta no SUS? Não, esse não é o óbvio.
   Nos episódios em que o Marcelo Rezende e o Datena são ótimos narradores, é muito comum nos solidarizarmos com as vítimas. Elas se parecem muito mais conosco do que com os criminosos. Nós sabemos a rotina das vítimas e nos identificamos com elas. Não nos identificamos com os marginalizados pois não passamos pelas dificuldades que eles passam. É muito mais fácil achar que o problema está no outro e não no todo. É mais fácil dizer que "essa gente" é ruim por natureza. É mais cômodo pedir que reduzam a maioridade penal quando sabemos que os nossos não sofrerão com isso. É mais cômodo pedir mais polícia, mais prisões quando não sofreremos nem um pouco com estas. Por uma educação de qualidade para todos ninguém se preocupa em lutar e exigir. Procurar entender de onde veio o crack e porque ele assola apenas as camadas mais baixas da sociedade nós não nos interessamos.
   Essa relação é como um jogo de sinuca. A "vítima" é a bola 8 e o "criminoso" é a bola branca. Se a bola branca derrubou a bola 8, é porque alguém aplicou alguma força na bola branca. Não existe geração espontânea. Mas quando pensamos assim é mais difícil de julgar quem é o culpado. Talvez sejam todos culpados, talvez sejam todos vítimas. De uma coisa eu tenho certeza, a única vítima não é o que morre, e o único culpado não é o que mata. As coisas são mais complexas do que nós queremos que sejam. Justiça não pode ser sinônimo de vingança.