segunda-feira, 16 de junho de 2014

Aderbaldo

   Aderbaldo morava sozinho. Não tinha família. Não tinha cachorros nem gatos. Achava estupidez as pessoas carentes que chamavam seus animais de estimação de "filho". Nunca tinha ouvido notícias de um poodle que saiu de algum orifício humano.

   Apesar de gostar de passarinhos, vê-los presos não agradava Aderbaldo. Davam a sensação de prisão, sufocamento. Talvez pudesse ter um papagaio que ficaria solto pela casa, mas papagaios falavam demais e não sabiam o que falavam. Pra falar o que não sabem já bastavam as pessoas.

   Aderbaldo ia a bares e sentava-se sozinho. Tirava as demais cadeiras da mesa para que ninguém ousasse sentar ao seu lado. Nunca se sentava no balcão. Não queria interagir, apenas observar. As vezes alguns bêbados buscavam socializar com Aderbaldo, mas Aderbaldo fingia ser surdo. Sabia que não era uma atitude nobre, mas a preguiça do outro era maior do que o peso na consciência.

   Aderbaldo quando passava pelo caixa do supermercado, antes de esperar a atendente perguntar se queria adquirir o cartão fidelidade, concorrer ao vale comprar de 500 reais ou se queria CPF na nota, já se antecipava e dizia: "não, não e não, obrigado".

   Apesar de sempre sozinho, Aderbaldo não se sentia só. Mas como ser humano que era, as vezes fraquejava e tinha vontade de interagir com os outros. Nesses casos, Aderbaldo não dava 'boa noite' para o William Bonner, ele peidava perto dos outros. Era reprimido pelo olhar, e sorria.

   Aderbaldo não tinha celular, não fazia questão que soubessem onde ele estava. Ele estava onde gostaria de estar. Se não estava na esquina, era porque não gostaria de estar na esquina. Se não estava na quitanda, era porque não gostaria de estar na quitanda. Se estava na praça, era porque queria estar lá. A não ser quando tinha que ir ao banco. Quando estava lá, não queria estar. Não suportava a formalidade daquela gente que agia como robôs.

   Aderbaldo não gostava de ioga. Ele não conseguia fazer nenhuma daquelas posições malucas e achava que as pessoas escondiam suas mesquinhices através de uma cortina de exoterismo. Aderbaldo preferia ir ao teatro. Era melhor ver gente de mentira dizendo verdades do que gente de verdade dizendo mentiras.