sábado, 26 de julho de 2014

Contradições

     Alaor tinha uma vontade imensurável de mudar o mundo. Alaor fazia parte de um projeto social que chamava “Uma casa para minha nação”. Alaor se sujeitava a ficar dias sem tomar banho, acordando cedo, dormindo tarde, trabalhando duro, para ajudar famílias a construírem suas próprias casas. Incontestavelmente uma nobre atitude. Alaor se dedicava ao projeto social em suas férias e em finais de semana, e o fazia com um grande sorriso no rosto. Na sua rotina comum, Alaor trabalhava em uma empresa na área das relações públicas, prestando serviço para outras empresas. Dentro dessas outras empresas estava uma que produzia matéria-prima para a indústria bélica. Alaor tinha uma vontade imensurável de mudar o mundo. Alaor fazia parte de um projeto social. Alaor fazia parte da lógica da produção de guerras. 


     Dona Adelaide era uma mulher religiosa, freqüentava a igreja do bairro em que morava. Fazia parte do projeto que doava roupas e cobertores aos desabrigados durante o inverno para que pudessem se aquecer. Dona Adelaide via na televisão que pessoas morriam nas ruas por causa das baixas temperaturas e sabia que poderia fazer algo. Não gostaria de sofrer assim, logo, não desejava isso para os outros, por isso ajudava como podia. Sua casa localizava-se em uma área nobre da cidade e sua renda a proporcionava viver em um nível de qualidade de vida acima da média da população. Dona Adelaide também era dona de um imóvel no centro da cidade, que estava desocupado. Dona Adelaide o deixava ocioso aguardando que a especulação imobiliária o valorizasse para posteriormente vende-lo e poder acumular mais dinheiro. Dona Adelaide ajudava os desabrigados fornecendo roupas e cobertores. Dona Adelaide tinha uma casa vazia que esperava valorizar.


     Ana Maria ficou sabendo que suas amigas estavam cortando os cabelos para que fossem feitas perucas a serem doadas às pessoas com câncer. Ana Maria se emocionou com aquela atitude e resolveu fazer igual. Não fez como sua amiga Mariana que cortou quatro míseros dedos, Ana Maria cortou o cabelo bem curto, como num trote de faculdade. Estava careca por uma boa causa, sabia que estava ajudando o próximo, traria conforto a pessoas que estivessem passando por tempos difíceis. Ana Maria trabalhava de secretária em uma gigante empresa do ramo do tabaco, chamada “Bomboro”. Ela fechava a logística das encomendas para onde seriam enviadas as caixas de cigarro. Ana Maria, ao cortar seu cabelo, sabia que tinha ajudado a alegrar uma pessoa com câncer. Ana Maria se solidarizava com elas. Ana Maria ajudava a vender cigarros.


     Tainá é vegetariana e milita contra o consumo de animais. Acredita que os nutrientes que precisamos para viver com qualidade podem vir de outras fontes. Tainá dizia que a maneira como os animais são confinados e abatidos é muito cruel. Tainá usa uma camiseta escrita “se você ama uns, porque come outros?”. Tainá faz suas compras no mercadinho da esquina e sabe que os produtos de lá são oriundos da agricultura familiar. Tainá trabalha em uma agência publicitária. Seu último trabalho, que a fez ser promovida, foi uma propaganda para uma empresa do agronegócio chamada “Mãosanta”. Tainá é uma profissional bem sucedida! Tainá milita pelo vegetarianismo e pela causa animal. Tainá faz propaganda para o agronegócio.