quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Por que a esquerda não se une?

     Após junho de 2013 falar de política deixou de ser coisa chata. Falar de política não é mais coisa de sociólogos e filósofos sabatinados no Roda-Viva ou que aparecem por 10 segundos no jornal nacional para comentar as eleições. A política passou a ser assunto corriqueiro, assunto de mesas em boteco, rodas de amigos e comum nas linhas do tempo do facebook dos amigos mais despolitizados. A parte boa é: deixou de ser inconveniente falar de política, ela passou a ser reconhecida com a devida importância que tem. A parte ruim é: pessoas que negam a todo momento o debate  e a consciência política se sentem emponderadas a vociferar merdas.

     Desde tais momentos, o acirramento do debate político tornou-se explicito entre dois grandes grupos. A esquerda e a direita. E um questionamento já era feito pré junho/2013 e ainda será feito por muitos: por que a esquerda não se une? Não seria melhor unir todos os partidos de esquerda e lutar pela mesma causa juntos? Essas são perguntas importantes, e que se deixadas sem resposta poderão ser recheadas com senso-comum.

     Vamos começar pelo lado de lá, pela direita. A direita é toda igual, a mesma coisa? A direita é unida? Não, a direita não é toda igual. Existem divergências entre ela. Existe a direita neo-liberal, existe a direita conservadora, existem os sociais-democratas, os keynesianos, etc. Existem os diversos ramos econômicos da direita, por exemplo: algumas frações da burguesia, como a latifundiária podem possuir permanentes divergências e disputas com outras frações, como a burguesia industrial, e por sua vez, essa, disputar espaço com a burguesia financeira-especulativa. Disputam favorecimento no mercado através de forças políticas no Estado, inserindo seus lacaios, os políticos, nos órgão de deliberação, vulgo legislativo, executivo e judiciário. Se a direita não é toda a mesma coisa, possui seu rachas, por outro lado sempre que necessário se unifica contra um mal maior. Quando as forças da esquerda aumentam e começam a causar certo desconforto na direita, suas frações possuem sensibilidade ao que as separa e o que as une. Um exemplo disso foi o empresariado de diversos setores que se uniu e apoiou o golpe civil-militar de 64, todos contra o suposto comunismo alvoroçado no Brasil.

     Mas e a esquerda... por que ela não se une? Não seria melhor unir todos os partidos de esquerda e lutar pela mesma causa juntos? Para começar. A esquerda não se resume à partidos. PCB, PCdoB, PT, PSTU, PCO, PSOL não são os únicos que levantam a bandeira da esquerda no Brasil. Existem ou já existiram diversos movimentos que não se configuram em partidos e que fazem parte das lutas da esquerda, sejam eles organizações sindicais como CUT, Intersindical, Conclutas; movimentos por moradia como MTST, FLM; movimentos pela reforma agrária, movimentos eclesiásticos, entre outros. Essas organizações não se unem pois assim como a direita, a esquerda não é toda igual. Se referir à esquerda como um grupo homogêneo é como se referir aos cristãos como um grupo homogêneo. Entre os cristãos há os diversos grupos católicos, outros diversos grupos evangélicos, espíritas, etc. Se todos esse possuem referência em Jesus Cristo, por que não se unem? A respostas é simples. Eles não se unem pois existem divergências consideráveis entre esses grupos para que não sejam a mesma coisa. O que não impede que pontualmente possam fazer alianças, como nas recentes votações em câmaras municipais quando na confecção dos Planos Municipais de Educação, em que as comunidades católicas e evangélicas se uniram no conservadorismo moral vetando as discussões de gênero no documento. De maneira análoga, existem na esquerda os comunistas, os socialistas, os que acreditam na democracia burguesa como conquista do socialismo, os revolucionários, os anarquistas, entram (assim como na direita) os sociais-democratas, os pacifistas e muitos outros. E bem como a direita, e os cristãos, as organizações de esquerda fazem também pontuais alianças, as chamadas "frentes". Momentos em que taticamente convergem na mesma ação. Basta ver as frequentes alianças  e as frequentes rusgas entre PSTU e PSOL que isso se torna evidente.

     Sendo assim, sempre que ouvirmos alguma notícia, alguma colocação e debates quanto à esquerda, é necessário termos consciência de que não se trata de um grupo homogêneo.Não é por todos terem o "Manifesto do partido comunista" em sua estante que são iguais. Talvez tendo em vista isso paremos de fazer masturbações mentais discutindo se o PT é ex-querda, se é, era, foi ou ainda será de esquerda. A discussão é outra e deve sair da "coleção primeiros passos".

   
   

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

E se o tráfico virar comércio? Sobre a legalização da maconha.

      Uma parcela da esquerda brasileira anda toda ouriçada com a possibilidade do judiciário legalizar a maconha. Bacana. Entre inúmeros motivos para se legalizar a maconha, citarei alguns argumentos: Legalizando a droga diminuímos a contradição que é a legalização de algumas drogas e a proibição de outras. Tiramos o poder da polícia -pelo menos no papel- de diferenciar os usuários dos traficantes pela negritude e pela vestimenta, tendo em vista que a proibição das drogas atinge majoritariamente a juventude negra e pobre; existe também o argumento, extremamente frágil de que, enfraquecerá o tráfico de drogas. Exista uma visão de que a proibição não previne os malefícios que as podem trazer, e sim que se deva pensar o assunto fora do âmbito policial.

      Essa mesma parcela da esquerda desconhece ou desconsidera que a maconha foi demonizada no mundo todo e proibida, devido ao boicote ao cânhamo nos Estados Unidos. Por conta da alta qualidade da fibra do cânhamo, a planta da maconha, a nascente e influente indústria das fibras sintéticas (como o náilon) não teriam tanto espaço no mercado. A indústria das fibras sintéticas estado-unidense, aliada ao monopólio das comunicações, e insatisfeita com a possibilidade de disputa de mercado, utilizou-se do estado para proibir a planta no território nacional. E para além disso, utilizou-se do seu papel imperialista, fazendo com que outros países, subservientes aos EUA, a proibissem também. Assim, o estado dos Estados Unidos passou a proibir o plantio da planta de acordo com os interesses da burguesia do ramo dos produtos sintéticos. Como disse o velho barbudo: "o estado nada mais é do que o balcão de negócios comum a toda burguesia".

      Essa parcela da esquerda desconhece ou desconsidera que a mesma lógica, a lógica de interesses e conflitos entre burguesias, já está por trás dessa "pauta inquestionável de esquerda", que é a legalização da maconha. Se uma fração da burguesia, nos Estados Unidos, foi capaz de promover a proibição e a destruição do cânhamo no mundo inteiro, meramente por motivos econômicos, porque a burguesia atual não poderia reverter a proibição de acordo com seus interesses atuais? Essa parcela da esquerda, por inocência ou por conveniência, desconsidera que as plantações de maconha não virão juntas da reforma agrária, e sim, ficarão nas mãos de alguns poucos latifundiários bem como é todo território brasileiro. Desconsideram o monopólio, desconsideram que a Souza Cruz e/ou a Philip Morris aumentarão seu capital e serão capazes de explorar melhor seus trabalhadores, que sorridentemente produzirão os futuros becks.

      Ahhhhh, então você é contra a legalização das drogas?????

      Para os que não conseguem interpretar muito bem textos, deixo a seguinte consideração. Sou a favor da legalização das drogas, mas não podemos deixar de lado o contexto de exploração de uma classe por outra que fundamenta nossa sociedade. Não podemos deixar de lado o contexto em que será feita essa legalização. Em que condições a maconha será legalizada? A custo de que e de quem? Nos importamos com a superação da contradição de drogas legais/ilegais, mas e a contradição capital/trabalho, quem se importa com essa?

domingo, 13 de setembro de 2015

A gente aguenta

a gente aguenta o salário mínimo,
a gente aguenta o encarregado
aguenta o sábado trabalhado
e aguenta até ficar desempregado
procurando por quem ser explorado
a gente aguenta o capital
a gente aguenta o patrão
a desigualdade racial
e aguentar ouvir que a culpa é da corrupção
aguenta escola lotada e busão
aguenta deixar o filho recém-nascido na creche
aguenta porrada da policia
aguenta matarem umonte de preto
aguenta fingirem que fizeram perícia
a gente aguenta o pessoal dizendo que ama o trabalho, pois nunca teve que acordar 5 da manha pra fazer parafuso
a gente aguenta o Willian Bonner, Pondé, Villa, e todos esses lacaios
a gente aguenta o governo de esquerda que reduz salário
a gente aguenta quem acredita em democracia
a gente aguenta os fura-greve, os pelegos, e quem acredita em voto crítico
a gente aguenta tanta coisa...
por uma gente que não aguente mais.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Esquerdomacho, eu?

Ao conversar com um passarinho, fiquei sabendo que meu nome é citado em um banheiro utilizado por pessoas do IGCE. Na porta do banheiro sou citado como um "esquerdomacho".

Vivemos em uma sociedade machista, e eu, enquanto homem, sou passível de cometer atos machistas. Machismo esse que me privilegia e me coloca na posição de opressor, submetendo as mulheres à opressão.

Durante toda minha prática política, me posiciono contra as opressões, sejam quais forem, classe, raça, gênero, etc. Possuir esse histórico, não me isenta do papel de opressor, embora à todo momento eu busque lutar contra isso, desconstruindo-o. Não apenas em mim mesmo mas também com os que me cercam e convivem comigo.

Tendo em vista isso, que meu histórico de luta não me exime do papel opressor, não teria problemas algum em assumir um ato machista que eu possa ter cometido. Reconheceria-o e faria o possível para repará-lo ou diminuir os danos. Mas temos um problema entre cometer um ato machista e reconhece-lo. Eu ao menos sei de que sou acusado, fui exposto e não tenho nem direito à contra-argumentar! Se em algum momento eu tenha sido machista em comportamentos ou em falas com qualquer mulher, ou com qualquer homem que reconheça a opressão em minha fala, é um dever, de quem luta contra a desigualdade social, me questionar, me cobrar.

Partindo do pressuposto de que fora alguma feminista que tenha escrito isso, penso que seria muito mais coerente na luta contra o machismo buscar desconstrui-lo através do diálogo, quando possível. Pessoas conservadoras (de qualquer espectro político) não mudam apenas com diálogo, mas entre os que se colocam aptos à rever seus erros, creio que o diálogo seja sempre a primeira instância.  Não acho digno da luta feminista se limitar à citar nome de opressores em portas de banheiro, embora possa ser uma tática válida quando o diálogo é infértil. Expor os machistas em portas de banheiro pode ser eficaz na tentativa de proteger possíveis vítimas, mas acontece que nós, homens, por vezes somos machistas sem notar que estamos sendo. Nos reconhecermos machistas é um primeiro passo para a superação.

Esquerdomacho, eu? Talvez, mas sem saber onde errei fica difícil superar...

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

A ditadura da democracia.

 
      Vivemos tempos difíceis. Vivemos um tempo onde pedimos uma coisa sem fazer idéia do que isso significa. Quando estamos com sede, pedimos água. Quando estamos com fome, pedimos comida. Mas porque diabos pedimos democracia? O que queremos com isso? Falamos de democracia como um aluno que não entende matemática fala sobre o X. Ele está em todo lugar, em qualquer equação. Pode jogar o X para esquerda, para direita, utilizando-o sem ter idéia do que ele significa. Mas mesmo sem nunca decifrá-lo, ele o acompanhará até o fim da vida escolar e você falará dele. Assim é a democracia, o X da questão. Democracia é uma palavra fácil e que cabe na boca de qualquer um.

      Mas afinal, o que é democracia? Democracia é apertar “verde-confirma” e ficar feliz por participar do processo político do país? É a isso que deve se resumir nossa vida política? A poder fazer uma fala na tribuna livre na câmara dos vereadores enquanto eles reforçam seus acordos? É ter a possibilidade de disputar eleições e mudar tudo por dentro (o entrismo)? É ter acesso às políticas compensatórias/assistencialistas enquanto tais políticas beneficiam os mega-empresários da educação e da construção civil? É ter acesso à um conjunto de instrumentos que organizam a participação civil que, quando muito, conquistam migalhas? É poder fazer manifestações pró e contra o governo, afinal democracia é a liberdade de expressão? É ter a possibilidade de ir e vir quando bem entender, sem se dar conta que você não tem dinheiro para ir e vir quando bem entender? É a democracia sindical onde os trabalhadores são praticamente obrigados a votarem nos interesses do patrão, pois estão sendo coagidos e ameaçados de demissão? Democracia é a possibilidade de assistir o canal de televisão e ler o jornal que bem entender, sem se dar conta que tudo isso está nas mãos de meia dúzia de grupos ou famílias que moldam nossa consciência à todo momento? Não é curioso termos na democracia espaços para pessoas taxadas de antidemocráticas propagandearem suas idéias, chegando ao cúmulo de serem defendidas em nome da democracia?

      Vivemos em uma sociedade de classes, onde uma classe (os burgueses) explora outra (os trabalhadores). Essa é a característica fundamental do sistema capitalista, a exploração. Independente da forma de governo, a dominação burguesa permanecerá, seja na forma de ditadura, seja na democracia. É aos interesses da camada dominante da população que toda máquina pública (o Estado) servirá. Enquanto a população pede por mais investimentos em educação e saúde, mais de 40% do orçamento federal é utilizado pra pagar dívidas internas e externas. Sendo assim, nosso modelo de governo pós ditadura militar-burguesa (pois foi financiada pela burguesia), é o de uma democracia-burguesa. Segundo Lênin, a democracia é forma mais desenvolvida do capitalismo. Se na ditadura os interesses da burguesia são conquistados através da repressão, na democracia a repressão ocorre em última instância. Em primeira (e mais legitimadora e convincente) instância está a coerção. E é essa democracia-burguesa que enorme parcela da população defende, pequenas liberdades em detrimento do bom andamento dos lucros dos patrões. Sejam essas pessoas as das manifestações do dia 16 (contra a Dilma) ou do dia 20 (pró Dilma).

      Dezenas de golpes pelo mundo todo já foram promovidos em nome da democracia. A exploração da classe trabalhadora continua sendo resguardada por ela. "Ahhh, mas qualquer um pode ser candidato e mudar o país, não é? Até um torneiro mecânico conseguiu, olha como a democracia é bacana!!". Os limites da democracia nada mais são do que os limites do capital. Um operário como presidente não constrói o socialismo, bem como uma mulher na presidência não constrói o feminismo e nem um presidente negro nos EUA desconstrói o racismo.

      Quando eu era mais novo e minha irmã pentelhava para jogar vídeo-game comigo, havia uma técnica extremamente desenvolvida para resolver o conflito. Dava o controle na mão da infeliz, mas sem ela ver, o desconectava do vídeo-game. Assim, ela pararia de pentelhar, ficaria contente por achar que participava do jogo, e não interferiria em absolutamente nada. Essa é a democracia-burguesa. Pode até ceder um controle, mas nunca vai deixar que interfira realmente no andamento do jogo.

      Lá no cerne, no meio da nuvem da democracia, existe um pilar bem sólido, até então intocável. A ditadura do capital.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Um certo aluno que dava muito trabalho.

      Havia um certo aluno, em uma certa escola que dava um certo trabalho. Batia nos colegas, respondia aos professores e não fazia nenhuma atividade proposta. Era agressivo e desobediente. Frequentava a escola pela manhã e a tarde ficava em casa, cuidando do irmão mais novo, enquanto a mãe trabalhava. Uma criança de 9 anos cuidando de uma criança de 3 anos. Sua mãe não tinha condições financeiras de pagar alguém para cuidar dos filhos. Não tinha notícias do pai alcoólatra, que fugiu de casa após bater na mãe.
      Seus professores diziam que era uma criança problemática por causa da falta de responsabilidade da mãe, que não dava atenção aos filhos. A mãe não comparecia as reuniões e nem às apresentações dos filhos. Saia de manhãzinha para levar os filhos à escola e ia direto ao trabalho. Tinha dois empregos durante a semana, e no final de semana fazia bicos como segurança. Caso fosse mandada embora de algum desses trabalhos, não teria condições de pagar as contas de casa, o aluguel e o supermercado para a família. Precisava de três empregos para poder permitir que seus filhos existissem.
      Enquanto a mãe trabalhava para sustentar os filhos, os professores diziam que ela fazia pouco caso deles. Enquanto os professores passavam perrengue com seu filho indisciplinado, alguém dizia que os professores eram incapacitados. Enquanto alguém dizia que os professores eram incapacitados, em algum lugar do Brasil um PM dava borrachadas em professores que lutavam por melhores condições de trabalho. Enquanto os PMs davam borrachadas, os bancos lucravam como nunca. E tudo continua na mais perfeita ordem e progresso...
      Quem quiser achar que essa história é invenção da cabeça de um desocupado que acredite.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Rio Claro, Pastor João e a Igreja invisível!

     Hoje, na câmara dos vereadores em Rio Claro, entre diversos pontos a serem votados, tiveram dois projetos de lei no mínimo curiosos (pra não dizer outra coisa) e que mostram bem à quem serve essa casa.
   
     O primeiro diz respeito a uma implementação de um programa sobre empreendedorismo nas escolas municipais, fomentando a formação do “capital humano” com o intuito de “contribuir para a disseminação da cultura empreendedora” e “despertar e fortalecer o espírito empreendedor dos estudantes”. Este projeto, de autoria do vereador João Luiz Zaine, é um infeliz projeto que reforça a visão mercadológica que a escola possui, passando não somente a reproduzir a desigualdade social que é intrínseca e implícita a ela, mas explicitando o seu caráter mercantil. O empreendedorismo, segundo citação que contempla o vereador, “é o motor que gera inovação, emprego e crescimento econômico”. Só esqueceu-se, ou não quis, dizer que junto ao emprego, traz mais exploração; junto à inovação, traz a exclusão; e que o crescimento econômico é o crescimento econômico para os patrões, não para os trabalhadores, que são quem de fato produzem as mercadorias! Mas essa projeto de lei permanece em “stand by”, pois algum vereador pediu vistas por 90 dias.

     Já o segundo projeto de lei, de autoria de José Pereira dos Santos e Anderson “fiscal de cu” Christofoletti, legislava sobre a imunidade tributária do IPTU sobre os imóveis dos Templos de qualquer culto, das organizações religiosas, e da Santa Sé. O projeto foi aprovado por unanimidade entre os 11 vereadores presentes na seção. Nenhum questionamento levantado, nenhuma fala, nenhuma ponderação. Todos aceitaram bovinamente. Mas como perguntar não ofende (pelo menos não deveria), porque todos os vereadores aceitaram sem questionamentos o projeto de lei? Porque todo trabalhador que possui moradia deve pagar IPTU e as igrejas não? Qual o benefício social que essas instituições produzem? Se a arrecadação da prefeitura está caindo drasticamente, porque dar esse benefício a essas instituições duvidosas que não prestam contas a ninguém? Porque todas as comissões (Comissão de Constituição e Justiça, Comissão de Acompanhamento da Execução Orçamentária e Finanças, Comissão de Políticas Públicas) deram parecer favorável à lei?

     Já que no Plano Municipal de Educação, depois das igrejas tanto baterem o pé, consta que deverá estar presente ano que vem o ensino religioso nas escolas, que matemos vários coelhos com apenas uma cajadada! Que sejam os representantes do fundamentalismo religioso cristão dessa cidade os responsáveis pelas aulas do ensino religioso, e que também sejam responsáveis pelo projeto de empreendedorismo nas escolas. Só estes, principalmente as igrejas evangélicas, conseguem multiplicar dinheiro de uma maneira inexplicável! Sabemos muito bem disso, eles multiplicam como ninguém. E podem até fazer isso na mesma aula! É o famoso slogan vindo à tona, “pequenas igrejas, grandes negócios”.

    E assim vemos a quais interesses essa casa que se diz do povo serve.  Nunca o termo “sessão ordinária” foi tão oportuno...



"Para os pobres e desesperados
E todas as almas sem lar
Vendo barato a minha nova água benta
Três prestações, qualquer um pode pagar

O sucesso da minha existência
Está ligado ao exercício da fé
Pois se ela remove montanhas
Também traz grana e um monte de mulher."
Raul Seixas - Pastor João e a igreja invisível

segunda-feira, 27 de julho de 2015

A falta de água é culpa de quem?

Era uma vez a Luluzinha. Luluzinha escovava os dentes com a torneira aberta e as vezes lavava a calçada com água da torneira.
Jaiminho era acionista da Hyundai, indústria automobilística. A cada teste de impermeabilidade de cada carro produzido eram gastos 5mil litros de água.
Thorzinho era acionista da Unilever. A Unilever despeja pencas de produtos tóxicos agressivos aos rios e mares.
Ederzinho era acionista da Coca-cola. Em Jundiaí, durante um período de estiagem, a Coca-Cola desviou o curso do rio Atibaia para que não faltasse água na produção desse líquido preto fundamental a sobrevivência humana, podendo causar falta d'água a mais de um milhão de pessoas em Campinas.
Jaiminho, Thorzinho e Ederzinho acreditavam que faltaria água para as pessoas, pois elas, assim como Luluzinha, não utilizavam os recursos hídricos de maneira adequada.
Jaiminho, Thorzinho e Ederzinho conversaram com seus amiguinhos que tinham um império nas comunicações, a família Tartaruga Marinho (fictícia, ok?).
A família Tartaruga Marinho colocou tantas propagandas dizendo que a culpa da falta de água era das pessoas que usufruíam da água da mesma maneira que Luluzinha, que Luluzinha acabou acreditando que a culpa de não ter água para tomar banho era apenas sua.
Luluzinha não era acionista da Hyundai, da Unilever, nem da Coca-Cola, era apenas uma dona-de-casa.
FIIIIIIIIIIIIIIIIIIM!!!

quinta-feira, 16 de julho de 2015

O diploma é uma conquista pra quem?

      José é filho de um operário da construção civil e de uma empregada doméstica. Sempre estudou em escola pública. Na adolescência entregava panfletos no farol, panfletos de propaganda de luxuosos prédios que apenas ouvira falar, pois sua mãe trabalhava em um. Morava em um bairro pobre de São Paulo, na zona leste. Já adulto, trabalhou com o pai na construção civil e a noite fazia bicos como segurança em uma casa noturna. Em uma conversa com os pais, cogitou a possibilidade de fazer uma faculdade. Quando contou aos amigos que voltaria a estudar deram risada. “Isso não leva ninguém a nada”, ele ouviu. Começou a estudar em um cursinho popular perto de sua casa. Prestou vestibular, e passou.

      Pedro morava em Moema. Filho de um diretor de uma construtora e de uma empresária, ambos com ensino superior. Sempre estudou em escolas particulares e sempre teve acesso a planos de saúde. Quando não estava na escola estava na natação, nas aulas de violão ou na escolinha de futebol. Ao ter problemas na escola, foi levado ao psicólogo. Ao chegar em casa, sempre havia mesa farta, preparada pela empregada. Quando terminou a escola, morou na Inglaterra para estudar a língua e conhecer outra cultura. Ao voltar, prestou vestibular, e passou.

      Durante toda a graduação José teve que conciliar o trabalho noturno com os estudos. Morava na moradia da faculdade, onde residiam os alunos pobres que passavam pela catraca que é o vestibular. Por várias vezes não tinha dinheiro para visitar os pais, recebia uma mísera bolsa de estudos que mal dava para se alimentar. Na faculdade imaginou que não sofreria do racismo que o acompanhava por toda a vida. Mal sabia que no seu primeiro ano de faculdade, enquanto estudava para a prova de anatomia que teria no dia seguinte, seria preso pelos guardas do campus na sala de informática com o argumento de estar depredando o ambiente. Participando do movimento estudantil viu que os problemas que o afligiam não eram apenas seu.

      Ao passar no vestibular, Pedro comemorou como se não houvesse amanhã. Recebeu parabéns de todos que souberam de seu êxito. Durante a graduação não precisou trabalhar, seus pais depositavam toda semana uma mesada em sua conta bancária que proporcionava que comesse bem, frequentasse festas, viajasse, etc. No segundo ano de faculdade, fez intercâmbio para a Austrália pelo programa ‘ciências sem fronteiras’. Quando voltou, interessou-se pelo movimento estudantil. Depois de um tempo não reconhecia-se mais como antes, descobriu-se privilegiado.

      José foi o primeiro de sua família a ter curso superior, comemorou seu diploma como Davi comemorou a vitória contra Golias. Na colação de grau, ao pegar o canudo das mãos dos diretores, recusou-se a cumprimenta-los. Foi sindicado pelos burocratas 7 vezes, por lutar pelos estudantes pobres na universidade.

      Pedro foi a colação de grau apenas para prestigiar seu amigo José. Não participou da cerimônia pois sabia que para ele se formar não foi nenhuma conquista, não fez mais que sua obrigação.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

A Educação Física e o samba


     A Educação Física escolar, enquanto componente curricular obrigatório, não pode se permitir manter-se alheia às problemáticas sociais e ao contexto existente. A Educação Física escolar não pode permitir que seja mera retórica a conquista de pautas fundamentais em documentos como a LDB e os PCNs, no que diz respeito à construção da cidadania e preceitos básicos da dignidade humana. Ela não deve eximir-se da responsabilidade de construção de sujeitos críticos e transformadores da realidade em detrimento de meros “atletas” e pessoas fisicamente ativas.


     Em nossa aula possuímos uma característica que nos coloca a frente das demais matérias, podemos trabalhar qualquer conteúdo que bem entendermos relacionando-o com o movimento e/ou corpo humano. Por exemplo, uma professora de História dificilmente realizaria um pega-pega utilizando elementos da história do Brasil, como os capitães-do-mato pegando os negros, prendendo-os na senzala, e fazendo com que o piques chame-se quilombo. Mas a Educação Física escolar pode, e se comprometida com a sociedade, deve, utilizar de um simples pega-pega para incrementar o conhecimento histórico do nosso contexto, relacionando sua especificidade com temas maiores, no caso o racismo e a sociedade de classes. Chegar nesse assunto através da atividade física torna-se muito mais prazeroso do que enclausurado em uma sala de aula por mais de três horas seguidas.

     Os processos educacionais não são neutros e universais, embora às vezes se travistam de tal maneira. Se na sociedade os indivíduos e suas classes não possuem um objetivo comum, e mais do que isso, são antagônicos, por conseguinte, esse conflito adentra no campo da Educação Física e esse conflito se torna latente entre as diversas pedagogias referentes à área.

     Podemos resumir, à grosso modo, a Educação Física em dois grupos. Um grupo que concebe a Educação Física como mera ferramenta para o desenvolvimento das capacidades e habilidades físicas, grupo este majoritário, sendo composto por visões desenvolvimentistas e biologicistas. Já o outro grupo não se limita apenas ao conteúdo específico da Educação Física, aplicando-os às demais necessidades de uma determinada população, determinada classe, a classe explorada da população, sempre partindo da cultura corporal de movimento para se chegar as necessidades maiores. Este segundo grupo possui uma concepção da Educação Física enquanto transformadora da sociedade, trazendo a tona questionamentos sobre o capitalismo, racismo, homofobia, machismo, etc.

    É como diz o Planet Hemp, "se não faz parte da solução, então faz parte do problema!", e isso se aplica tranquilamente à Educação Física.
Finalizando com outra música, Nação Zumbi, " e você samba de que lado? de que lado você vai sambar?"

terça-feira, 26 de maio de 2015

Por que me tornei professor?

     Durante meu primeiro dia de aula como professor, dentre inúmeras novidades e inseguranças, uma ideia me veio a tona. Tive a ideia de escrever na primeira folha de meu caderno de anotações o porquê de minha opção pela docência. Eu escreveria nessa explanação as ideias que me motivariam a acordar 6h da manhã e pedalar quase meia hora, de segunda a sexta, para chegar na escola e ouvir "ei, ssor, vai ter futebol?" incessantemente todas as aulas. Mais do que isso, gostaria  de passados alguns anos, reler esse depoimento e ver o que mudou em minhas ambições na escola, se aprofundei algumas análises, gostaria de saber daqui a alguns anos o que o "eu" do futuro pensaria do "eu" do passado, se o "eu" do passado acharia o "eu" do futuro um babaca, enfim, acredito que reler isso futuramente será uma experiência bem rica!

     Pois bem... por que me tornei professor?

     Resolvi me tornar professor por acreditar que política não se faz de 4 em 4 anos, nem de 2 em 2, apertando verde-confirma. Política se faz com as opções do dia-a-dia, no cotidiano, conhecendo a realidade e intervindo nela, abrindo mão do "o que quero pra mim" para lutar pelo "o que quero pra nós". Resolvi me tornar professor por posicionamento político. E não me tornei apenas professor de escola, me tornei professor de escola pública, professor de escola pública por posicionamento político! Professor de escola pública por acreditar que a mudança social que nossa sociedade precisa, uma mudança estrutural, acontecerá somente com a conscientização das camadas exploradas da população, a população pobre, que recheiam nossas escolas públicas tão precárias.

     Optei pelo ensino público para poder proporcionar, ou pelo menos tentar, uma aula de Educação Física diferenciada, no que diz respeito a cultura corporal de movimento. Os "bons" profissionais são seduzidos pela melhor remuneração de escolas particulares,  bem como por instituições de ensino superior, e acabam deixando os "outros" na rede pública, o que acarreta na privação da população pobre e explorada das aulas de qualidade.

     Ser professor é acreditar na capacidade de seus alunos, é saber que na idade escolar está em construção os pilares de uma interação sujeito-sociedade, em uma instituição (a escola) fundamental na construção de nossa sociedade, tão contraditória e perversa. Ser professor, e educador, é saber em que tipo de mundo vivemos, que tipo de sociedade vivemos, distingui-la da sociedade que queremos e buscar transformá-la. Sem saber onde está e para onde queremos ir, a docência se torna ferramenta de manutenção do status-quo.
     
     'Consciência de classe' é um termo chave para minha prática, e é ela quem norteia minha prática, por acreditar que posso fazer parte da conscientização enquanto classe, dos filhos dos trabalhadores. 'Consciência de classe' é o que distingue os educadores dos ideólogos, é o que difere os que querem mudança dos que querem mais do mesmo, ainda que os ideólogos não tenham consciência disso, tendo em vista a alienação docente. Optei por trabalhar em escolas públicas por acreditar que a mudança social que almejo não virá das elites, não virá dos colégios que parecem shoping-centers, não virá de pessoas que pagam mil reais na mensalidade do filho, não virá dos que passam férias na Disney e não virá da classe-média. A mudança social que precisamos virá apenas da classe trabalhadora, com a construção de uma consciência de classe trabalhadora, para que conquistemos uma sociedade igualitária, sem classes. E só a classe trabalhadora poderá conquista-la. Assim como José Paulo Netto, me considero um "filho adotivo" da classe trabalhadora, sendo que mesmo não sendo oriundo desta, tenho como foco o rompimento com os interesses mesquinhos e a visão de manter os privilégios que a classe média de maneira geral possui. 

     Embasado nesse contexto é que cai na escola, trabalhando na categoria com curso superior menor remunerada de todas. A categoria que cuida de 17, DEZESSETEEEE, crianças de 2 e 3 anos que não sabem nem limpar o nariz sozinhas e que quando luta por melhores condições de trabalho toma borrachadas da polícia, assim como qualquer trabalhador que lute.

    E é assim, tendo em vista o mesmo referencial teórico, sempre me aprofundando, que pretendo continuar por anos e anos na escola pública, e que eu tenha clareza, assim como desejo para os outros, que se for para um dia virar "rola bola", começar a trabalhar simplesmente por dinheiro, que eu abandone a carreira e tente outra coisa. Se for pela grana, o big brother pode ser uma melhor opção.



segunda-feira, 20 de abril de 2015

O direito ao futebol.

     



     Essa foto me remete de bate-pronto a uma sensação, uma inquietação, quanto as duas facetas que o futebol apresenta hoje, pelo menos para mim. Através dessa foto consigo descrever minha relação de amor e ódio com o futebol. Do porque a sensação do futebol ser “o ópio do povo”, assim como um velho barbudo disse que era a religião, e de como o futebol consegue ser útil para transformar o meio em que vivemos.

     Como tudo na vida, minha relação com o futebol tem altos e baixos. Momentos de extremo repúdio até momentos de não conseguir dormir extasiado com algum episódio envolvendo-o. Minha aversão ao futebol começa quando me dou conta de que em detrimento do esporte são expulsas as populações pobres de suas casas e quando começam a transformar os estádios em shópin centers. O processo de capitalização do futebol, o chamado futebol moderno, que proporcionou a construção de arenas para o futebol e que agora cobram mais de 100 reais a entrada, e que expulsam a classe trabalhadora dos estádios, tira de qualquer ser humano com um pouco de compaixão todo o tesão pelo futebol. E o meu processo de repulsa ao futebol se concretizou com a manutenção do Fluminense na primeira divisão em detrimento da queda da Portuguesa, em 2013, por mera disputa de tamanho entre clubes e pela capacidade de gerar lucro aos patrocinadores. Ver o clube que torço ser expulso da primeira divisão por motivações econômicas foi a gota d'água.

     O vínculo da CBF e da FIFA com o empresariado, sedento por lucros, apenas resulta na putrefação do espetáculo que tornou-se marca nacional. Você pode encontrar um brasileiro que não tome cerveja, mas com certeza ele tomará cachaça, água de côco ou açaí. Já um brasileiro que não gosta de futebol, é sinal de um brasileiro xing ling, com algum defeito de produção. E o curioso no futebol é que os grandes poderes não conseguem tomar conta dele por completo. A construção civil e a especulação imobiliária podem acabar com todos os campos de várzea, o empresariado pode jogar o preço dos produtos para aonde quiserem, podem colocar uma bola a 150 reais, podem colocar as camisetas de futebol a 200 e o preço do estádio a 300, mas ainda existirá uma bola de capotão toda remendada ou uma tampinha de garrafa para improvisar e jogar, ainda existirá o time com camisa e sem camisa, ainda existirá a rua e os pedaços de pedras e tijolos para serem os gols. E se a chuteira e os tênis ficarem mais caros, ainda teremos pés descalços para jogar, mesmo perdendo metade do dedão!

    E essa foto me transmite essa sensação, a de que embora esses poucos tentem tomar conta de tudo, sempre visando o lucro, jamais conseguirão tirar de quem não pode pagar o direito ao futebol. Segue o jogo!

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Violência, o mal necessário

      Ontem terminei de ler um livro que contava a história do período em que a morte tirou férias. Em certo país, por oito meses ninguém morreu. E como seria natural se ninguém morresse por esse período de tempo, a população desse país passou a aumentar consideravelmente. As pessoas não morriam, e ficando debilitadas e impossibilitadas de passar a linha tênue que limita a vida e a morte, precisavam de cuidados especiais.

      Os hospitais superlotavam, os abrigos de idosos ficavam entupidos, as famílias ficavam sobrecarregadas e com um pepino nas mãos sabendo que seus entes que estavam com o pé na cova não iriam desencarnar. As funerárias começaram a ter enormes problemas, pressionando o governo a baixar decretos que obrigassem o enterro de animais domésticos para que pudessem possuir razão de existir. Sendo que não havia cadáveres humanos, teriam que enterrar cães, gatos, papagaios, hamsters, entre outros. A igreja ficou indignada, pois sem morte, não haveria recompensa nos céus. Aliás, não haveria céu, nem inferno, nem juízo final, não haveria nada após a vida, pois esta não teria fim, e assim a igreja não teria como controlar seus fiéis visando a recompensa do bom comportamento. Ninguém mais temeria o pecado. Os seguros de vida não faziam mais sentido, e até uma “máphia” foi criada para levar as pessoas que não morriam, clandestinamente, para o outro lado da fronteira com outros países para que pudessem morrer em paz, tudo, claro, com o aval do governo.

      Fazendo uma analogia com o livro intermitências da morte, do Saramago, comecei a imaginar se a violência que a gente tanto diz que “ta demais, né?!” deixasse de ser mero papo furado, se assimilando em muito com um monótono “será que chove?”, para ser de fato uma bandeira, algo que nos dispuséssemos a conquistar fugindo da mentalidade medíocre que acredita que quanto maior a repressão menor será essa violência. E quando digo violência aqui, me refiro aqueles casos em que todos estão sujeitos. A ter a carteira, celular, bicicleta, carros roubados. A perder alguma pessoa próxima em um assalto a mão armada, ou coisas do tipo. Não me refiro à violência exclusiva de uma classe social, do trabalhador que recebe um salário mínimo e nem do trabalhador que vive em condições análogas a escravidão, esses pouco importam.

      Imagine se um dia essa violência deixasse de existir? Se com uma educação de qualidade e com todas as condições humanas dignas as pessoas começassem a repensar a convivência em sociedade e viver em harmonia?

      Ninguém mais seria violentado na rua, no trabalho, em casa, no ônibus. Não haveria mais polícia militar, policia civil e nem guarda civil metropolitana. Os funcionários das delegacias e fóruns criminais estariam todos entediados. As prisões ficariam ao leo, transformando-se em abrigo para ratos e baratas que degustariam tranquilamente a insalubridade do cárcere. Aos carcereiros restariam as lembranças de tempos em que fechar cadeados, abrir cadeados, recolher presos do banho de sol e fazer contagens seriam suas atividades diárias. As empresas de seguranças, que forneciam e instalavam cercas elétricas e câmeras de segurança, bem como a indústria de produção de armas e a indústria de produção de coturnos e coletes a prova de bala, entrariam em desespero com a queda do consumo, fazendo queixas ao governo e pressionando-o para que tomasse providências drásticas quanto a decadência desse ramo que gerava tantos empregos. Até o ramo da construção civil seria afetado, pois se as pessoas não eram mais presas, não seria mais necessária a construção de presídios. Não haveriam mais programas como Cidade Alerta, nem Brasil Urgente. O sensacionalismo midiático seria história de gente de épocas passadas, pois não aconteceriam mais desgraças alheias para noticiar e ganhar ibope a qualquer custo. Marcelo Rezende e Datena estariam desempregados, haveriam boatos de que após cessar a violência eles nunca mais abriram a boca, pois não tinham nada a dizer.

      Ainda bem que assim como a greve da morte, o fim da violência não aconteceu e nem deve acontecer, afinal, ninguém quer ver a desgraça que seria acabar com a violência. Por mais paradoxal que isso seja...

domingo, 5 de abril de 2015

A redução da maioridade penal e o blablabla da impunidade

      Muito tem se falado em relação a PEC 171, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. Atualmente, esses jovens de 16-18, quando cometem infrações são penalizados de acordo com o ECA (Estatuto da criança e do adolescente), e podem ficar detidos na fundação Casa por até 3 anos. Sendo que são passíveis de cumprir essa pena de no máximo 3 anos jovens a partir dos 12 anos de idade. Existem argumentos coerentes dos dois lados, do lado contra maioridade e do lado pró maioridade.

      Os argumentos a favor da redução da maioridade penal são impulsionados por um pseudo sentimento de impunidade. Essa é a palavra que os jornais adoram vociferar, impunidade, e o senso comum repete feito papagaio. Conseguem falar de impunidade em um país que possui 715.655 pessoas encarceradas, a terceira maior população carcerária do mundo. Se essa impunidade existe, basta procurar “prisões Brasil” no Google e ver a que tipo de gente essa impunidade não atinge.

      Uma parcela considerável da população acredita que reduzindo a maioridade penal conseguiria coibir os crimes que seriam cometidos pelos menores. Acreditam que assim se inibiriam os crimes cometidos pela população de 16 a 18 anos. Mas ai cabem algumas perguntas: porque acreditar que com a redução da maioridade penal serão coibidos os crimes cometidos por um jovem de 16 anos sabendo que essa lei não impede que pessoas em maioridade penal cometam crimes? Saber que cometer um crime pode resultar em determinada pena já foi motivo pra que alguém deixe de roubar ou matar? Será que alguém já pensou “aaah, furto são 6 anos, então eu não vou roubar não, é muito tempo!”?Acredito que as respostas são óbvias. Ninguém deixa de cometer crimes por medo da pena a ser cumprida. Se os crimes são cometidos, a motivação de maneira alguma será a tal da “impunidade”. Como já vimos, é extremamente irracional falar em impunidade se referindo a violência urbana em um país como o nosso. Os mais pobres não tem direito nem a impunidade.

      E se passar o projeto de emenda constitucional (sendo que ele ainda terá que passar por 2 plenárias na câmara e pelo senado), que seja reduzida a maioridade penal para 16 anos, o que acontecerá quando um adolescente de 15 anos cometer algum crime? Pedirão que abaixem a maioridade para 14, e depois para 12, e depois para 10. Até quando? Qual será a idade limite? Será que farão testes genéticos para ver a hereditariedade da criminalidade com as crianças ainda na barriga das mães? Pasmem, nenhuma mãe de Moema, Higienópolis ou Morumbi terá seu filho enquadrado nesses testes, por não apresentarem nenhuma “atitude suspeita”. Estes, das áreas nobres, quando crescerem serão apenas jovens passando por uma fase de rebeldia, coisas de adolescentes, não serão bandidos como os negros e pobres, mesmo que estejam com 300kg de cocaína no carro.

      É curioso notar que até mesmo os parlamentares que votaram contra a redução da maioridade, pessoas que reconhecem a maior complexidade do problema, acabam por tentar barrar o projeto pela via legalista, buscando classificar o artigo da constituição que define a maioridade penal em 18 anos como cláusula pétrea da constituição brasileira, sendo assim, não passível de alterações pelo congresso. Levar a discussão para o âmbito burocrático, das papeladas, é um erro sem tamanho se levarmos em consideração que as leis que regem este país existem para manter um status quo, que existem para manter as desigualdades sociais bem como estão. Existem sim leis que são avanços, que surgem como conquistas da classe trabalhadora, das mulheres, da população lgbt, etc., e que merecem ser exaltadas, mas as leis que regem este país servem majoritariamente para manter as desigualdades, sendo essa a função do Estado. Logo, ser lei ou não ser lei não faz a legitimidade da pauta, e não é por ai que será mais produtivo caminhar a discussão.

      A discussão tem que permear o âmbito ético, tem que estar acerca da qualidade da educação escolar, a discussão deve estar na privação do lazer aos jovens, deve estar nos direitos básicos negados à juventude, das políticas públicas que favoreçam a juventude que não possui acesso a uma educação que a conscientize enquanto classe. E quando digo juventude aqui, me refiro a juventude pobre, majoritariamente negra, da sociedade, que é privada de direitos básicos.

      Desde 1940 até hoje foram feitas 156 reformas no código penal brasileiro. Se a PEC 171 passar, será a 157 reforma no código penal. Com todas essas reformas, feitas à canetada, o que mudou? A violência diminuiu? Existe um problema de violência (me refiro a violência que o “cidadão de bem” adora ficar indignado, roubos, assassinatos...) que é claro em nossa sociedade. A divergência entre o grupo pró e contra redução é em como solucionar ou amenizar os crimes em determinada população (16-18anos). Acreditar que essa 157 reforma no código penal trará melhoras a vida da população é tratar o problema de maneira extremamente superficial e desconsiderar os números citados acima. Acreditar nessa melhora pela PEC é acreditar que hoje de manhã o coelinho da páscoa passou em sua casa e deixou um ovo!

      Se a preocupação dos que são a favor da redução da maioridade penal é em torno do bem estar da população, faria mais sentido pedir uma prisão que de fato contribua para a “ressocialização” dos presos, que exigissem condições dignas, cursos de capacitação e profissionalização e possibilidades para que estes repensem o seu papel na sociedade e se tornem “cidadãos de bem”, não que eu concorde com isso, mas pelo menos faria mais sentido. As demandas levantadas pela parcela da população que branda pela redução não são estas colocadas acima, e sim que se prendam o maior número de infratores e que os tranquem a sete chaves para toda a eternidade. A PEC 171 é apenas a continuação do processo de criminalização da pobreza.

      Com a repressão, e isso fica claro pra qualquer um que não tenha problemas cognitivos, não se impede crime algum. Muito mais efetivo do que reprimir, prender e bater, é educar. Proporcionar ensino de qualidade, direito ao lazer, transporte público, saúde, políticas públicas que façam com que os jovens tenham uma família presente em casa e que não seja necessário que a mãe e/ou o pai tenha 3 empregos e trabalhe mais de 56horas por semana para sustentar uma casa. Não pode um Estado ser omisso a esses direitos básicos e depois querer ser efetivo na punição. Não pode o Estado desrespeitar toda uma construção de humanidade e querer trancar alguém por ser um sujeito infrator criado por ele mesmo. A infração começou desde o nascer do sujeito com a omissão do Estado, mas quem pune o Estado?

      E os que acham que isso é conversa mole para enrolar a votação na câmara e no senado, que isso é papo de filósofo que fala muito, e que muito provavelmente acham que bandido bom é bandido morto, que estejam sentados quando descobrirem que não são melhores que ninguém, talvez o baque seja forte.

terça-feira, 10 de março de 2015

Racismo, que porréssa?

     Muito se fala sobre racismo, seja na mídia, na minha casa, na universidade (suposta casa do conhecimento), mas será que sabemos ao certo o que é o racismo? Sabemos diferenciar preconceito, discriminação e racismo? Falamos disso a todo momento mas acabamos reproduzindo um discurso vazio que em nada educa, pelo contrário, apenas mistifica essa relação compactuando com sua perpetuação. 
   
     Por ser um branco escrevendo sobre o assunto, acredito que possam ter alguns deslizes no decorrer do texto, mas acho que apesar disso esse texto pode acrescentar alguma coisa para pessoas que ainda acreditam no mito da democracia racial.

 Racismo, que porréssa?

     Racismo é uma relação de poder imposta por uma etnia a outra. No Brasil o termo é majoritariamente referido ao processo construído historicamente pela escravização dos negros pelos brancos. É a opressão e a repressão que os negros são vítimas desde que foram seqüestrados da África no período do Brasil colonial e que apesar de suas transformações, esse projeto de sociedade se mantém até hoje. Fundamenta-se na crença de que os negros seriam um grupo inferior as demais etnias, sendo em tempos passados considerados animais e objetos, e por isso, sendo comercializados, escravizados.

    Racismo é uma estrutura de discriminação racial que se expressa materialmente, tem sua origem na estrutura econômica da sociedade, e não se limita apenas a xingamentos como muitos acreditam. O racismo é uma relação de poder estrutural, ou seja, ele ocorre sempre de uma pessoa ou grupo a o outro, seja por um sujeito ou por grupos. O racismo não uma idéia subjetiva, uma coisa longínqua que acabou com a Lei Áurea em 1888. Apenas pode ser racista quem possui poder, logo, um negro não pode ser racista e tão pouco um branco pode sofrer de racismo, ainda que o boçal do Danilo Gentili diga que era vítima de racismo quando criança por ser chamado de palmito pelos colegas de escola, ele é apenas um desinformado reproduzindo desinformação para milhões de pessoas. Um branco nunca foi chamado de macaco fazendo alusão a uma teoria que dissesse que ele é menos desenvolvido que outra etnia, uma pessoa branca de cabelos lisos nunca ouvirá de outra pessoa que o seu cabelo é ruim, e os brancos também não predominam na classe trabalhadora de empregadas domésticas nem de terceirizados do país.

    É necessário acentuar que se toda a população brasileira nunca mais se fizesse referência a nenhum negro chamando seu cabelo de “cabelo ruim”, nunca mais chamasse nenhum negro de “macaco”, que nenhuma família se incomodasse que seus entes se relacionassem com negros, ainda sim existiria racismo. A polícia continuaria a invadir favelas e periferias e a matar a população negra, os negros ainda ocupariam os mais baixos postos na estratificação do trabalho passando por muito mais dificuldades que a elite branca jamais imagina passar, as propagandas na televisão ainda utilizariam apenas a imagem da “família margarina”, onde dá a entender que todas as famílias brasileiras são brancas, etc. O racismo é estrutural e para acabar com ele se faz necessário muitos mais do que políticas afirmativas.

    Capitalismo e racismo são duas faces da mesma moeda, não se pode falar de capitalismo sem falar de racismo. Sendo o racismo uma relação de poder, dentro dessa relação de poder existe o processo de exploração. Assim como ocorre com outras relações de poder, o racismo acaba por inferiorizar uma população em detrimento da outra, além de fazer com que diferentes populações exploradas e oprimidas não se enxerguem como componentes da mesma classe. Inferiorizando uma população, no caso os negros, é possível colocá-los a mercê da exploração de uma burguesia branca sedenta pelo lucro. Uma sociedade assentada durante mais de 300 anos em trabalho escravo negro e indígena não seria destituída de suas características em menos de 130 anos, ainda que tivesse vontade.

   Se o mito da democracia racial se concretizasse na estrutura capitalista que vivemos, poderíamos ter um negro na presidência da república, negros se formando nas melhores faculdades de medicina do país, e até negros compondo 50% da burguesia nacional, ainda sim a maior parte dos negros estaria sujeita ao transporte precário, a falta de condições básicas de saúde e falta de condições de trabalho. Nos EUA o presidente é negro e nem por isso o racismo deixou de existir, assim como ter uma presidente mulher no Brasil não significa em nada o fim do machismo. As opressões (machismo, racismo, homofobia, etc.) permeiam a sociedade de classes e não se explicam por si só.

    Espero ter colaborado pra que as bobagens que cercam o tema sejam minimamente reduzidas. Seja uma pessoa que leia esse texto ou duzentas, espero que ajude a esclarecer que não existe racismo inverso e que também não se deve dar parabéns pro seu amigo negro no dia da consciência negra... não é aniversário dele!

quarta-feira, 4 de março de 2015

Um sincero desabafo

Olá. Venho por meio desta expor a minha enorme insatisfação com a forma que minha imagem vem sido utilizada. Minha origem não se sabe ao certo, alguns dizem que fui criada por escravos, outros dizem que foi a cozinha imperial quem me criou, e outros dizem que foi durante o processo de industrialização. Mas minha história torna-se irrelevante perto de minha imensa dedicação em saciar a fome que inúmeros bêbados regados a cachaça e cerveja sentem, a fome de milhões de crianças em suas festinhas coloridas e barulhentas e das muitas famílias nas padarias distribuídas em todo Brasil. Eu fico extremamente nervosa com a recente mania que algumas pessoas tem em vincularem meu nome as pessoas que prezam pela tradição, família, propriedade e bons costumes. Eu não entro na porra de um óleo fervendo pra vocês virem me comparar com acéfalo que defende o Bolsonaro, que acredita que faltar água é culpa da vizinha que lava a calçada ou rirem das piadas do boçal do Danilo Gentili! Chamem esses de empadinha, escargot ou de paleta mexicana, qualquer outra coisa!
Se você é dos que me utilizam como forma de xingamento ou se você se encaixa nessa laia dessa gente que acredita em meritocracia, favor nunca mais tocar em mim.
Ass: Coxinha.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Sobre ser chato mas não ser burro

Uma vez um certo poeta pediu que escrevessem numa cruz, em seu leito de morte: "foi poeta, amou e sonhou na vida".

Tem gente que me chama de chato por questionar a religião, o racismo, a sociedade de classes, a homofobia, os programas de televisão, o jornal, os professores, a mim mesmo...
Sou chato, confesso! Sou um cara muito chato! Nunca neguei e os que convivem comigo sabem disso.
Mas prefiro ser chato do que almejar ser um homem de "sucesso", do que sonhar ter um iate, em viajar para os EUA, tirar foto fingindo empurrar a Torre Pizza ou ficar preocupado em exibir o pau de selfie...

Outro alguém (que não sei quem) disse: "não tens epitáfio, pois és bandeira".

Não sou poeta, como o primeiro, e nem tenho a pretensão de ser bandeira, como diz o segundo, pois então o que me resta é ter um epitáfio
e que nele esteja: foi chato, mas não foi burro!

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Porque a Princesa Isabel aboliu a escravidão?

PROVA DE HISTÓRIA

Questão 22-) Porque a escravidão foi abolida como política de Estado no Brasil em 1888?

A-) Porque não existe isso de negro, branco, índio, árabe, somos todos uma raça só, a raça humana, e todos tem iguais condições de ter sucesso na vida, seja lá o que signifique isso.

B-) Porque a Princesa Isabel era uma pessoa que não via diferenças entre negros e brancos e era solidária aos direitos humanos.

C-) Porque a pressão abolicionista era muito grande e a Princesa Isabel não teve alternativa, assinando assim a abolição.

D-) Em decorrência da paixão que a Princesa Isabel tinha pelo avô do dançarino Jacaré do grupo ‘É o Tchan’, desejando que este fosse livre para fugirem juntos com ‘É o Tchan’ no Havaí, o que resultou na poesia composta por Beto Jamaica e ‘Cumpadi’ Washington.

E-) A escravidão apenas teve fim porque os processos econômicos mundiais não eram mais os mesmos de quando ela se iniciou no Brasil e foi necessário mudar os direcionamentos da economia brasileira. A escravidão atrasava o desenvolvimento das forças produtivas, não proporcionando a qualificação da força de trabalho. Através da coerção física, da violência escrachada não é possível se qualificar a força de trabalho, mas através da persuasão, da possibilidade deste escravo se tornar um cidadão e ser “”””””livre””””””, ele poderia talvez aprender a manejar a maquinaria que chegaria futuramente ao Brasil, por conseqüência do processo de industrialização, decorrente da Revolução Industrial que ocorria décadas antes. Aristóteles disse que “o escravo é uma máquina sem alma”, e sendo máquina, não se educa. A não ser que se tornasse necessário que estes fizessem operações básicas matemáticas e aprendessem a escrever para preencher novas necessidades dos postos de trabalhos, para aprimorar o capital do patrão. É claro que a violência não foi extinta, pois quando estes se recusam a produzir fazendo greve, os antigos capitães do mato, a polícia, não pensam muitas vezes antes de proporcionar tiros e borrachadas aos trabalhadores. Sem contar que os negros se transformariam em possíveis consumidores, o que aumentaria as vendas e os lucros dos burgueses.

F-) Abolição? Escravidão? Ãhn?


Cada um que ache correta a alternativa que bem entender...

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Portugueses e operários


Os portugueses invadiram essa terra, mataram e escravizaram os índios, destruíram todas estruturas já existentes em nome de um pseudo progresso, e ainda insistem em ensinar nas escolas que o Brasil foi descoberto por eles, quando na verdade o que ocorreu foi uma invasão.

Alguns séculos depois, trabalhadores, entre eles alguns da construção civil, ocupam prédios que devido a especulação imobiliária tornam-se ociosos, são chamados principalmente pela mídia burguesa (canais de televisão, jornais, etc.) de invasores. Ocupam prédios desocupados, construídos por eles, pois não tem onde morar e são chamados de invasores.

Portugueses são descobridores e trabalhadores são invasores. Vai entender...