domingo, 11 de maio de 2014

de Francisco a Chico


    Francisco não gostava de seu nome. Pensava que tinha nome de gente velha. Aliás, não só pensava, mas de fato o tinha! Que criança se chama Francisco, Gertrudes, Teodorico? E o apelido era pior. Ele odiava ser chamado de Chico. Ele não era caipira como Chico Bento. Francisco poderia ser nome de um contador de causo, de um tocador de viola caipira que fuma cigarros de palha, ou de um idoso que fica em sua cadeira de balanço na frente de casa com um cachorrinho lhe fazendo companhia. Porque não se chamar Lucas, Felipe, Rafael, como todos os outros meninos chamavam? Francisco não era nome de meninos de oito anos.

    Francisco não só tinha o nome de velho, como ainda tinha um sobrenome que agradava aos praticantes de bullyng de sua escola (bullying ainda não era bullying, era só um calejamento pra vida). Seu sobrenome era Pinto. Francisco Pinto frequentemente ouvia o comentário: “HAAAA ele tem pinto no nome!”. Até que um dia se cansou da piada e riscou a etiqueta do estojo com seu sobrenome polêmico. Ouviu de um colega: “HAAAAA ele não tem mais pinto!”. Todos riram. Engraçadíssimo!

    Francisco entrou na puberdade. Adorava rock! Era camisa do Guns N’ Roses pra cá, Nirvana pra lá, Ramones pra cima, Doors pra baixo, e de baixo do tapete um pouco de Negritude Jr. Nas bandas de rock, só nomes como John, Axl, Jim, Jannys, Joey, Paul, nada de Francisco. Durante as freqüentes viagens de finais de semana, Francisco e sua família ouviam música nacional. Mas Francisco não conhecia aqueles cantores e bandas. Não ouvia com muito gosto. Não o incomodava, mas também não se importava. Músicas esquisitas que diziam: “catolé do rocha praça de guerra, catolé do rocha onde o homem bode berra!”, existe homem bode? Gostava mesmo era das guitarras elétricas.

    Francisco pensava que Sepultura era MPB. Sendo a “música popular brasileira” toda música que a população brasileira ouvisse, nada mais lógico do que Sepultura se enquadrar nessa classificação. É óbvio. Só não entende quem não quer.

    Alguns anos mais tarde, Francisco descobriu que não havia problema algum em ouvir ritmos que são postos como antagônicos, como o pagode e o rock. Descobriu que quem os coloca como opostos são uns idiotas! Descobriu que poderia gostar de funk, pagode, samba e rock ao mesmo tempo! A vida é mesmo bela! Afinal, não existe o samba-rock? "Acabo de inventar o pago-rock!", pensou. Francisco descobriu que podia ouvir Pixote de manhã, Beatles de tarde, Queen de noite, e caso a insônia o pegasse desprevenido, poderia passar o tempo curtindo as músicas do Raça Negra (Luissss Carrlossss).

    Posteriormente Francisco passou a ouvir com freqüência as mesmas músicas que ouvia com sua família nas viagens de finais de semana. Francisco descobriu o nome daquele estilo musical nacional. Francisco tinha criado gosto pela MPB. Ouvia aquelas canções melosas, rebeldes, dramáticas, fossem simples ou obras-primas, sentia prazer com suas letras e melodias.

    Francisco descobriu que um dos cantores das músicas estranhas que ouvia em sua infância era Chico César. Um cara de cabelo engraçado que cantava belíssimas músicas que falavam sobre o nordeste, um cara que exigiu respeito dos brancos em relação ao desrespeito aos seus cabelos afro. Conheceu a banda Nação Zumbi, e descobriu que suas famosas músicas são de parcerias com o cantor Chico Science, um dos precursores do manguebeat, movimento que denunciava a especulação imobiliária pernambucana que destruiu os mangues da região. Através das aulas de história, sobre a ditadura militar, conheceu Chico Buarque e suas artimanhas para se livrar da censura e poder divulgar suas músicas que traziam à tona a realidade da época. Tortura, exílio e violência de Estado eram freqüentes em suas letras. E tirando essas, sobram diversas outras músicas românticas e tão bonitas e ricas quanto às dos outros Chicos.

    Aquele que quando criança odiava ser chamado de Chico, hoje, já crescido, não se envergonha de seu nome. Fica feliz por ter um nome diferente, que não seja comum como Lucas, Felipe ou Rafael. Francisco se orgulha de ter os mesmos nomes que Chico César, Chico Science e Chico Buarque. Hoje Francisco se apresenta a todos como Chico.