terça-feira, 26 de maio de 2015

Por que me tornei professor?

     Durante meu primeiro dia de aula como professor, dentre inúmeras novidades e inseguranças, uma ideia me veio a tona. Tive a ideia de escrever na primeira folha de meu caderno de anotações o porquê de minha opção pela docência. Eu escreveria nessa explanação as ideias que me motivariam a acordar 6h da manhã e pedalar quase meia hora, de segunda a sexta, para chegar na escola e ouvir "ei, ssor, vai ter futebol?" incessantemente todas as aulas. Mais do que isso, gostaria  de passados alguns anos, reler esse depoimento e ver o que mudou em minhas ambições na escola, se aprofundei algumas análises, gostaria de saber daqui a alguns anos o que o "eu" do futuro pensaria do "eu" do passado, se o "eu" do passado acharia o "eu" do futuro um babaca, enfim, acredito que reler isso futuramente será uma experiência bem rica!

     Pois bem... por que me tornei professor?

     Resolvi me tornar professor por acreditar que política não se faz de 4 em 4 anos, nem de 2 em 2, apertando verde-confirma. Política se faz com as opções do dia-a-dia, no cotidiano, conhecendo a realidade e intervindo nela, abrindo mão do "o que quero pra mim" para lutar pelo "o que quero pra nós". Resolvi me tornar professor por posicionamento político. E não me tornei apenas professor de escola, me tornei professor de escola pública, professor de escola pública por posicionamento político! Professor de escola pública por acreditar que a mudança social que nossa sociedade precisa, uma mudança estrutural, acontecerá somente com a conscientização das camadas exploradas da população, a população pobre, que recheiam nossas escolas públicas tão precárias.

     Optei pelo ensino público para poder proporcionar, ou pelo menos tentar, uma aula de Educação Física diferenciada, no que diz respeito a cultura corporal de movimento. Os "bons" profissionais são seduzidos pela melhor remuneração de escolas particulares,  bem como por instituições de ensino superior, e acabam deixando os "outros" na rede pública, o que acarreta na privação da população pobre e explorada das aulas de qualidade.

     Ser professor é acreditar na capacidade de seus alunos, é saber que na idade escolar está em construção os pilares de uma interação sujeito-sociedade, em uma instituição (a escola) fundamental na construção de nossa sociedade, tão contraditória e perversa. Ser professor, e educador, é saber em que tipo de mundo vivemos, que tipo de sociedade vivemos, distingui-la da sociedade que queremos e buscar transformá-la. Sem saber onde está e para onde queremos ir, a docência se torna ferramenta de manutenção do status-quo.
     
     'Consciência de classe' é um termo chave para minha prática, e é ela quem norteia minha prática, por acreditar que posso fazer parte da conscientização enquanto classe, dos filhos dos trabalhadores. 'Consciência de classe' é o que distingue os educadores dos ideólogos, é o que difere os que querem mudança dos que querem mais do mesmo, ainda que os ideólogos não tenham consciência disso, tendo em vista a alienação docente. Optei por trabalhar em escolas públicas por acreditar que a mudança social que almejo não virá das elites, não virá dos colégios que parecem shoping-centers, não virá de pessoas que pagam mil reais na mensalidade do filho, não virá dos que passam férias na Disney e não virá da classe-média. A mudança social que precisamos virá apenas da classe trabalhadora, com a construção de uma consciência de classe trabalhadora, para que conquistemos uma sociedade igualitária, sem classes. E só a classe trabalhadora poderá conquista-la. Assim como José Paulo Netto, me considero um "filho adotivo" da classe trabalhadora, sendo que mesmo não sendo oriundo desta, tenho como foco o rompimento com os interesses mesquinhos e a visão de manter os privilégios que a classe média de maneira geral possui. 

     Embasado nesse contexto é que cai na escola, trabalhando na categoria com curso superior menor remunerada de todas. A categoria que cuida de 17, DEZESSETEEEE, crianças de 2 e 3 anos que não sabem nem limpar o nariz sozinhas e que quando luta por melhores condições de trabalho toma borrachadas da polícia, assim como qualquer trabalhador que lute.

    E é assim, tendo em vista o mesmo referencial teórico, sempre me aprofundando, que pretendo continuar por anos e anos na escola pública, e que eu tenha clareza, assim como desejo para os outros, que se for para um dia virar "rola bola", começar a trabalhar simplesmente por dinheiro, que eu abandone a carreira e tente outra coisa. Se for pela grana, o big brother pode ser uma melhor opção.