segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

O futebol, as manifestações verde-amarela e os boçais


     Um belo dia durante o recreio da escola enquanto estávamos entre amigos reunidos  no anfiteatro, me lembro muitíssimo bem, semanas antes de um Brasil e Argentina no Morumbi, conversávamos sabe-se lá sobre que assunto quando um amigo de repente sugere, sentado ao longe, a seguinte ideia: "gente, a gente podia ir assistir esse jogo, né???". Ouvi aquela frase como se fosse uma proposta de saque à minha casa, e até mais! Escutei aquilo como quem escutasse a mais sórdida proposta envolvendo algo sagrado, no mais puro significado da palavra "blasfêmia". Aquele convite me incomodou profundamente e eu não sabia dizer o porque, não tinha consciência da razão, e por muito tempo não me lembrei dessa história.

     Esses dias, lembrando do causo, comecei a esmiuçar o acontecido e talvez tenha chegado à algumas bizarras conclusões. Como ousava aquele cara -ainda que mesmo sendo amigo- que não tinha vínculo algum com futebol, que mal saberia dizer o que é um tiro-de-meta, que muito provavelmente iria no estádio pra ficar cantando a lamentável "eu sou brasileiro com muito orgulho com muito amor", fazer uma proposta de ir à um estádio assistir Brasil e Argentina? Quantos jogos de brasileirão e série B ele tinha no histórico? Quantos jogos de paulistão ele assistiu? Quantos dias de chuva ele pegou no estádio vendo a felicidade dos tiozinhos que vendem as capas de chuva sorridentes com a inflação de seu produto? Naquele momento, acredito que inconscientemente, eu desejei que os jogos da seleção fossem como a faculdade. Inconscientemente acreditei que deveria existir um vestibular para entrar nesse Brasil e Argentina, e em todos jogos desse alto escalão do futebol, bem como em Copas do Mundo!

     Esse vestibular seria da seguinte maneira. Como muitos vestibulares, teriam duas fases. A primeira seria os jogos de várzea, o tradicional terrão, que quando chovem ficam todos batendo a chuteira nas paredes para que saia a lama e deixe de escorregar, e onde o empate para o time visitante é sempre uma vitória a se comemorar. A segunda fase seria frequentar por um ano todos os jogos do time, nos tradicionais estádios, pendurado ao alambrado. E é óbvio, que se tem alambrado é estádio e não as grandes, belas e desalmadas arenas. Essa segunda fase aconteceria em um estádio cujo qualquer xingamento ou simples pigarro de cigarro do senhor ao lado pudesse ser ouvido pelo bandeirinha que correria à sua frente. E só depois de passar pelas duas fases, cumpridos os pré-requisitos, é que se poderia ter a ousadia de propôr ir assistir à um Brasil e Argentina.

     É por essas e outras que os jogos de seleção são tão parecidos com as manifestações reacionárias (há quem os chame de coxinhas) que mais parecem carnaval fora de época ou micaretas. Se os jogos do Brasil estão recheados de pessoas que não possuem vínculo algum com futebol, que nunca perderam parte alguma do dedão do pé na rua, nunca jogaram um 'camisa contra sem camisa' e que acham o David Luis o nome perfeito pra zaga, nas manifestações-micareta você ouve "vem pra rua" de quem só passa por ela de caminhonete importada, viveu a infância jogando Playstation trancafiado em condomínios fechados e que desejam o fim dos estádios para que se construam arenas.


     Talvez, se existissem os vestibulares do futebol, os jogos não fossem repletos de espectadores, mas de torcedores, e não veríamos mais os mesmos boçais que frequentam as manifestações verde-amarela nos estádios.






quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

O futebol é foda

     Não me lembro da primeira vez que chutei uma bola em minha vida. Também não me lembro da primeira vez que fui a um estádio. Talvez não me lembre pois essas coisas sempre fizeram parte de minha existência, tanto quanto a amamentação ou o reflexo de fechar a mão que os bebês possuem. Mas de uns tempos pra cá minha relação com o futebol mudou, assim como as convicções políticas.

     Quando torço pela Portuguesa, pela seleção, ou simplesmente em minha admiração pelo futebol, me coloco lado a lado com diversas pessoas com posicionamentos que repudio constantemente. Quando estou na bandeirinha de escanteio do Canindé, assistindo ao jogo e Rodrigo Fabri, Leandro Amaral, Ricardo Oliveira ou o craque Domingos fazem um gol, como saber se o cara que está ao meu lado -e que naqueles momentos que só o futebol explica, nos abraçamos- é contra a sociedade de classes? Como saber se o sujeito que sofre junto à você pensa que bandido bom é bandido morto? Como saber se o cara que perde a voz incentivando os mesmos jogadores não é um burguês? Independente da classe, infelizmente, nesse momento somos companheiros e cúmplices das mesmas sensações. Futebol é foda...

     Mas e pior, e quando jogamos juntos no mesmo time!? Seja na várzea, amador, faculdade ou no futebolzinho com os barrigudos, imagina ser parceiro de ataque de um reacionário? Ou de um PM? Dizer: "não vou tocar pra você porque você é um meritocrata, se quer a bola que lute por ela!" talvez não fosse bem aceito pelos parceiros de time. Talvez. Como fazer pra esquecer que o filho da puta do seu parceiro de zaga dá borrachada no seu filho, em você, e até na mãe dele quando ele fizer um gol de voleio na final do campeonato? Pois é, a gente esquece...

     Tem gente que acha bonito, poético, o futebol ter a capacidade de unir as classes que são antagônicas por si só, unir posicionamentos tão conflitantes. Alguns acham nobre o esporte ter a capacidade de trabalhadores partilharem das mesmas aflições que burgueses, em prol de algo supostamente maior. Talvez até eu tenha entrado em contradição diversas vezes, oscilando entre esses dois sentimentos opostos enquanto escrevo esse desabafo. "Aaai que lindo esse esporte!" penso ironicamente. O futebol é foda...