segunda-feira, 20 de abril de 2015

O direito ao futebol.

     



     Essa foto me remete de bate-pronto a uma sensação, uma inquietação, quanto as duas facetas que o futebol apresenta hoje, pelo menos para mim. Através dessa foto consigo descrever minha relação de amor e ódio com o futebol. Do porque a sensação do futebol ser “o ópio do povo”, assim como um velho barbudo disse que era a religião, e de como o futebol consegue ser útil para transformar o meio em que vivemos.

     Como tudo na vida, minha relação com o futebol tem altos e baixos. Momentos de extremo repúdio até momentos de não conseguir dormir extasiado com algum episódio envolvendo-o. Minha aversão ao futebol começa quando me dou conta de que em detrimento do esporte são expulsas as populações pobres de suas casas e quando começam a transformar os estádios em shópin centers. O processo de capitalização do futebol, o chamado futebol moderno, que proporcionou a construção de arenas para o futebol e que agora cobram mais de 100 reais a entrada, e que expulsam a classe trabalhadora dos estádios, tira de qualquer ser humano com um pouco de compaixão todo o tesão pelo futebol. E o meu processo de repulsa ao futebol se concretizou com a manutenção do Fluminense na primeira divisão em detrimento da queda da Portuguesa, em 2013, por mera disputa de tamanho entre clubes e pela capacidade de gerar lucro aos patrocinadores. Ver o clube que torço ser expulso da primeira divisão por motivações econômicas foi a gota d'água.

     O vínculo da CBF e da FIFA com o empresariado, sedento por lucros, apenas resulta na putrefação do espetáculo que tornou-se marca nacional. Você pode encontrar um brasileiro que não tome cerveja, mas com certeza ele tomará cachaça, água de côco ou açaí. Já um brasileiro que não gosta de futebol, é sinal de um brasileiro xing ling, com algum defeito de produção. E o curioso no futebol é que os grandes poderes não conseguem tomar conta dele por completo. A construção civil e a especulação imobiliária podem acabar com todos os campos de várzea, o empresariado pode jogar o preço dos produtos para aonde quiserem, podem colocar uma bola a 150 reais, podem colocar as camisetas de futebol a 200 e o preço do estádio a 300, mas ainda existirá uma bola de capotão toda remendada ou uma tampinha de garrafa para improvisar e jogar, ainda existirá o time com camisa e sem camisa, ainda existirá a rua e os pedaços de pedras e tijolos para serem os gols. E se a chuteira e os tênis ficarem mais caros, ainda teremos pés descalços para jogar, mesmo perdendo metade do dedão!

    E essa foto me transmite essa sensação, a de que embora esses poucos tentem tomar conta de tudo, sempre visando o lucro, jamais conseguirão tirar de quem não pode pagar o direito ao futebol. Segue o jogo!

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Violência, o mal necessário

      Ontem terminei de ler um livro que contava a história do período em que a morte tirou férias. Em certo país, por oito meses ninguém morreu. E como seria natural se ninguém morresse por esse período de tempo, a população desse país passou a aumentar consideravelmente. As pessoas não morriam, e ficando debilitadas e impossibilitadas de passar a linha tênue que limita a vida e a morte, precisavam de cuidados especiais.

      Os hospitais superlotavam, os abrigos de idosos ficavam entupidos, as famílias ficavam sobrecarregadas e com um pepino nas mãos sabendo que seus entes que estavam com o pé na cova não iriam desencarnar. As funerárias começaram a ter enormes problemas, pressionando o governo a baixar decretos que obrigassem o enterro de animais domésticos para que pudessem possuir razão de existir. Sendo que não havia cadáveres humanos, teriam que enterrar cães, gatos, papagaios, hamsters, entre outros. A igreja ficou indignada, pois sem morte, não haveria recompensa nos céus. Aliás, não haveria céu, nem inferno, nem juízo final, não haveria nada após a vida, pois esta não teria fim, e assim a igreja não teria como controlar seus fiéis visando a recompensa do bom comportamento. Ninguém mais temeria o pecado. Os seguros de vida não faziam mais sentido, e até uma “máphia” foi criada para levar as pessoas que não morriam, clandestinamente, para o outro lado da fronteira com outros países para que pudessem morrer em paz, tudo, claro, com o aval do governo.

      Fazendo uma analogia com o livro intermitências da morte, do Saramago, comecei a imaginar se a violência que a gente tanto diz que “ta demais, né?!” deixasse de ser mero papo furado, se assimilando em muito com um monótono “será que chove?”, para ser de fato uma bandeira, algo que nos dispuséssemos a conquistar fugindo da mentalidade medíocre que acredita que quanto maior a repressão menor será essa violência. E quando digo violência aqui, me refiro aqueles casos em que todos estão sujeitos. A ter a carteira, celular, bicicleta, carros roubados. A perder alguma pessoa próxima em um assalto a mão armada, ou coisas do tipo. Não me refiro à violência exclusiva de uma classe social, do trabalhador que recebe um salário mínimo e nem do trabalhador que vive em condições análogas a escravidão, esses pouco importam.

      Imagine se um dia essa violência deixasse de existir? Se com uma educação de qualidade e com todas as condições humanas dignas as pessoas começassem a repensar a convivência em sociedade e viver em harmonia?

      Ninguém mais seria violentado na rua, no trabalho, em casa, no ônibus. Não haveria mais polícia militar, policia civil e nem guarda civil metropolitana. Os funcionários das delegacias e fóruns criminais estariam todos entediados. As prisões ficariam ao leo, transformando-se em abrigo para ratos e baratas que degustariam tranquilamente a insalubridade do cárcere. Aos carcereiros restariam as lembranças de tempos em que fechar cadeados, abrir cadeados, recolher presos do banho de sol e fazer contagens seriam suas atividades diárias. As empresas de seguranças, que forneciam e instalavam cercas elétricas e câmeras de segurança, bem como a indústria de produção de armas e a indústria de produção de coturnos e coletes a prova de bala, entrariam em desespero com a queda do consumo, fazendo queixas ao governo e pressionando-o para que tomasse providências drásticas quanto a decadência desse ramo que gerava tantos empregos. Até o ramo da construção civil seria afetado, pois se as pessoas não eram mais presas, não seria mais necessária a construção de presídios. Não haveriam mais programas como Cidade Alerta, nem Brasil Urgente. O sensacionalismo midiático seria história de gente de épocas passadas, pois não aconteceriam mais desgraças alheias para noticiar e ganhar ibope a qualquer custo. Marcelo Rezende e Datena estariam desempregados, haveriam boatos de que após cessar a violência eles nunca mais abriram a boca, pois não tinham nada a dizer.

      Ainda bem que assim como a greve da morte, o fim da violência não aconteceu e nem deve acontecer, afinal, ninguém quer ver a desgraça que seria acabar com a violência. Por mais paradoxal que isso seja...

domingo, 5 de abril de 2015

A redução da maioridade penal e o blablabla da impunidade

      Muito tem se falado em relação a PEC 171, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. Atualmente, esses jovens de 16-18, quando cometem infrações são penalizados de acordo com o ECA (Estatuto da criança e do adolescente), e podem ficar detidos na fundação Casa por até 3 anos. Sendo que são passíveis de cumprir essa pena de no máximo 3 anos jovens a partir dos 12 anos de idade. Existem argumentos coerentes dos dois lados, do lado contra maioridade e do lado pró maioridade.

      Os argumentos a favor da redução da maioridade penal são impulsionados por um pseudo sentimento de impunidade. Essa é a palavra que os jornais adoram vociferar, impunidade, e o senso comum repete feito papagaio. Conseguem falar de impunidade em um país que possui 715.655 pessoas encarceradas, a terceira maior população carcerária do mundo. Se essa impunidade existe, basta procurar “prisões Brasil” no Google e ver a que tipo de gente essa impunidade não atinge.

      Uma parcela considerável da população acredita que reduzindo a maioridade penal conseguiria coibir os crimes que seriam cometidos pelos menores. Acreditam que assim se inibiriam os crimes cometidos pela população de 16 a 18 anos. Mas ai cabem algumas perguntas: porque acreditar que com a redução da maioridade penal serão coibidos os crimes cometidos por um jovem de 16 anos sabendo que essa lei não impede que pessoas em maioridade penal cometam crimes? Saber que cometer um crime pode resultar em determinada pena já foi motivo pra que alguém deixe de roubar ou matar? Será que alguém já pensou “aaah, furto são 6 anos, então eu não vou roubar não, é muito tempo!”?Acredito que as respostas são óbvias. Ninguém deixa de cometer crimes por medo da pena a ser cumprida. Se os crimes são cometidos, a motivação de maneira alguma será a tal da “impunidade”. Como já vimos, é extremamente irracional falar em impunidade se referindo a violência urbana em um país como o nosso. Os mais pobres não tem direito nem a impunidade.

      E se passar o projeto de emenda constitucional (sendo que ele ainda terá que passar por 2 plenárias na câmara e pelo senado), que seja reduzida a maioridade penal para 16 anos, o que acontecerá quando um adolescente de 15 anos cometer algum crime? Pedirão que abaixem a maioridade para 14, e depois para 12, e depois para 10. Até quando? Qual será a idade limite? Será que farão testes genéticos para ver a hereditariedade da criminalidade com as crianças ainda na barriga das mães? Pasmem, nenhuma mãe de Moema, Higienópolis ou Morumbi terá seu filho enquadrado nesses testes, por não apresentarem nenhuma “atitude suspeita”. Estes, das áreas nobres, quando crescerem serão apenas jovens passando por uma fase de rebeldia, coisas de adolescentes, não serão bandidos como os negros e pobres, mesmo que estejam com 300kg de cocaína no carro.

      É curioso notar que até mesmo os parlamentares que votaram contra a redução da maioridade, pessoas que reconhecem a maior complexidade do problema, acabam por tentar barrar o projeto pela via legalista, buscando classificar o artigo da constituição que define a maioridade penal em 18 anos como cláusula pétrea da constituição brasileira, sendo assim, não passível de alterações pelo congresso. Levar a discussão para o âmbito burocrático, das papeladas, é um erro sem tamanho se levarmos em consideração que as leis que regem este país existem para manter um status quo, que existem para manter as desigualdades sociais bem como estão. Existem sim leis que são avanços, que surgem como conquistas da classe trabalhadora, das mulheres, da população lgbt, etc., e que merecem ser exaltadas, mas as leis que regem este país servem majoritariamente para manter as desigualdades, sendo essa a função do Estado. Logo, ser lei ou não ser lei não faz a legitimidade da pauta, e não é por ai que será mais produtivo caminhar a discussão.

      A discussão tem que permear o âmbito ético, tem que estar acerca da qualidade da educação escolar, a discussão deve estar na privação do lazer aos jovens, deve estar nos direitos básicos negados à juventude, das políticas públicas que favoreçam a juventude que não possui acesso a uma educação que a conscientize enquanto classe. E quando digo juventude aqui, me refiro a juventude pobre, majoritariamente negra, da sociedade, que é privada de direitos básicos.

      Desde 1940 até hoje foram feitas 156 reformas no código penal brasileiro. Se a PEC 171 passar, será a 157 reforma no código penal. Com todas essas reformas, feitas à canetada, o que mudou? A violência diminuiu? Existe um problema de violência (me refiro a violência que o “cidadão de bem” adora ficar indignado, roubos, assassinatos...) que é claro em nossa sociedade. A divergência entre o grupo pró e contra redução é em como solucionar ou amenizar os crimes em determinada população (16-18anos). Acreditar que essa 157 reforma no código penal trará melhoras a vida da população é tratar o problema de maneira extremamente superficial e desconsiderar os números citados acima. Acreditar nessa melhora pela PEC é acreditar que hoje de manhã o coelinho da páscoa passou em sua casa e deixou um ovo!

      Se a preocupação dos que são a favor da redução da maioridade penal é em torno do bem estar da população, faria mais sentido pedir uma prisão que de fato contribua para a “ressocialização” dos presos, que exigissem condições dignas, cursos de capacitação e profissionalização e possibilidades para que estes repensem o seu papel na sociedade e se tornem “cidadãos de bem”, não que eu concorde com isso, mas pelo menos faria mais sentido. As demandas levantadas pela parcela da população que branda pela redução não são estas colocadas acima, e sim que se prendam o maior número de infratores e que os tranquem a sete chaves para toda a eternidade. A PEC 171 é apenas a continuação do processo de criminalização da pobreza.

      Com a repressão, e isso fica claro pra qualquer um que não tenha problemas cognitivos, não se impede crime algum. Muito mais efetivo do que reprimir, prender e bater, é educar. Proporcionar ensino de qualidade, direito ao lazer, transporte público, saúde, políticas públicas que façam com que os jovens tenham uma família presente em casa e que não seja necessário que a mãe e/ou o pai tenha 3 empregos e trabalhe mais de 56horas por semana para sustentar uma casa. Não pode um Estado ser omisso a esses direitos básicos e depois querer ser efetivo na punição. Não pode o Estado desrespeitar toda uma construção de humanidade e querer trancar alguém por ser um sujeito infrator criado por ele mesmo. A infração começou desde o nascer do sujeito com a omissão do Estado, mas quem pune o Estado?

      E os que acham que isso é conversa mole para enrolar a votação na câmara e no senado, que isso é papo de filósofo que fala muito, e que muito provavelmente acham que bandido bom é bandido morto, que estejam sentados quando descobrirem que não são melhores que ninguém, talvez o baque seja forte.