sexta-feira, 10 de abril de 2015

Violência, o mal necessário

      Ontem terminei de ler um livro que contava a história do período em que a morte tirou férias. Em certo país, por oito meses ninguém morreu. E como seria natural se ninguém morresse por esse período de tempo, a população desse país passou a aumentar consideravelmente. As pessoas não morriam, e ficando debilitadas e impossibilitadas de passar a linha tênue que limita a vida e a morte, precisavam de cuidados especiais.

      Os hospitais superlotavam, os abrigos de idosos ficavam entupidos, as famílias ficavam sobrecarregadas e com um pepino nas mãos sabendo que seus entes que estavam com o pé na cova não iriam desencarnar. As funerárias começaram a ter enormes problemas, pressionando o governo a baixar decretos que obrigassem o enterro de animais domésticos para que pudessem possuir razão de existir. Sendo que não havia cadáveres humanos, teriam que enterrar cães, gatos, papagaios, hamsters, entre outros. A igreja ficou indignada, pois sem morte, não haveria recompensa nos céus. Aliás, não haveria céu, nem inferno, nem juízo final, não haveria nada após a vida, pois esta não teria fim, e assim a igreja não teria como controlar seus fiéis visando a recompensa do bom comportamento. Ninguém mais temeria o pecado. Os seguros de vida não faziam mais sentido, e até uma “máphia” foi criada para levar as pessoas que não morriam, clandestinamente, para o outro lado da fronteira com outros países para que pudessem morrer em paz, tudo, claro, com o aval do governo.

      Fazendo uma analogia com o livro intermitências da morte, do Saramago, comecei a imaginar se a violência que a gente tanto diz que “ta demais, né?!” deixasse de ser mero papo furado, se assimilando em muito com um monótono “será que chove?”, para ser de fato uma bandeira, algo que nos dispuséssemos a conquistar fugindo da mentalidade medíocre que acredita que quanto maior a repressão menor será essa violência. E quando digo violência aqui, me refiro aqueles casos em que todos estão sujeitos. A ter a carteira, celular, bicicleta, carros roubados. A perder alguma pessoa próxima em um assalto a mão armada, ou coisas do tipo. Não me refiro à violência exclusiva de uma classe social, do trabalhador que recebe um salário mínimo e nem do trabalhador que vive em condições análogas a escravidão, esses pouco importam.

      Imagine se um dia essa violência deixasse de existir? Se com uma educação de qualidade e com todas as condições humanas dignas as pessoas começassem a repensar a convivência em sociedade e viver em harmonia?

      Ninguém mais seria violentado na rua, no trabalho, em casa, no ônibus. Não haveria mais polícia militar, policia civil e nem guarda civil metropolitana. Os funcionários das delegacias e fóruns criminais estariam todos entediados. As prisões ficariam ao leo, transformando-se em abrigo para ratos e baratas que degustariam tranquilamente a insalubridade do cárcere. Aos carcereiros restariam as lembranças de tempos em que fechar cadeados, abrir cadeados, recolher presos do banho de sol e fazer contagens seriam suas atividades diárias. As empresas de seguranças, que forneciam e instalavam cercas elétricas e câmeras de segurança, bem como a indústria de produção de armas e a indústria de produção de coturnos e coletes a prova de bala, entrariam em desespero com a queda do consumo, fazendo queixas ao governo e pressionando-o para que tomasse providências drásticas quanto a decadência desse ramo que gerava tantos empregos. Até o ramo da construção civil seria afetado, pois se as pessoas não eram mais presas, não seria mais necessária a construção de presídios. Não haveriam mais programas como Cidade Alerta, nem Brasil Urgente. O sensacionalismo midiático seria história de gente de épocas passadas, pois não aconteceriam mais desgraças alheias para noticiar e ganhar ibope a qualquer custo. Marcelo Rezende e Datena estariam desempregados, haveriam boatos de que após cessar a violência eles nunca mais abriram a boca, pois não tinham nada a dizer.

      Ainda bem que assim como a greve da morte, o fim da violência não aconteceu e nem deve acontecer, afinal, ninguém quer ver a desgraça que seria acabar com a violência. Por mais paradoxal que isso seja...

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