quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Cabelo de Emilia e Amanda


Certo dia desse ano escrevi o seguinte relato sobre minhas aulas:
"De tanto eu ouvir as crianças perguntarem sobre meu "cabelo de menina" resolvi imprimir fotos da Halle Berry, uma moça de cabelo curto, e do Eddie Vedder, vocalista do Pearl Jam, quando ele era cabeludo. Pensei em ir um pouco mais além do que simplesmente homem de cabelo cumprido e mulher de cabelo curto, peguei uma imagem de uma moça preta com black power e do Bob Marley com seus dreads gigantescos, para mostrar a variedade de cabelos. Imprimi as fotos e as plastifiquei, pra ficar com um material que dure bastante e que eu possa andar com ele e usar sempre que possível.
A turminha que dou aula do infantil 2, tem alunos que estão comigo a 3 anos. Entre esses, tem a Emilia, uma garotinha preta, de pele bem escura, e a Amanda, que chegou na escola no início desse ano.
Eu já tinha mostrado ano passado as fotos com os diferentes cabelos, mas esse ano foi a primeira vez que enfatizei o black power da moça negra, e disse que era uma cabelo muito bonito que só quem tem cabelo crespo pode ter, assim "como a Emilia e a Amanda", falei. Mesmo conhecendo Emilia a 3 anos, eu nunca a vi com o cabelo solto, sempre preso, assim como a Amanda no decorrer desse ano.
Acontece que ontem na primeira aula, eu, como já disse, mostrei de novo as fotos e disse sobre o cabelo delas, e conversei com a Professora de sala sobre a atividade. Quando depois de alguns poucos minutos a professora me chamou, e pediu pra eu ver uma coisa que talvez tivesse relação com a minha atividade. As duas meninas, pela primeira vez, resolveram numa brincadeira de cabeleireiro, soltarem seus cabelos! Ficaram brincando normalmente, com seus cabelos soltos, assim como fazem todas as outras crianças de cabelos lisos quando brincam de cabeleireiro.
Amanda optou por prender o cabelo depois da brincadeira. Emilia não, foi embora com seu black power livre, leve e solto."
Agora não sou mais o professor dessa sala e nem de nenhuma outra sala, pois perdi minhas aulas. Pegou minhas aulas um fã de Bolsonaro.
Antes as crianças ouviam o professor dizer que era errado uns terem mais que os outros, ouviam falar em respeitar os amigos, agora devem estar ouvindo "viadinho", "fala que nem homem", "isso é coisa de menina", "racismo é mimimi e vitimismo".
Pra colocar uns tijolos um encima do outro são poucos, mas pra pegar uma marreta e arrebentar com o trabalho tem muitos. Ficaria espantado se Althusser já não tivesse me alertado.

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