sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Torcidas organizadas, para além da criminalização e da infantilização

 

Qualquer um que já tenha assistido jogos de futebol presencialmente sabe que a experiência é totalmente diferente quando estão presentes as torcidas organizadas, seja no futebol profissional ou no futebol amador. Com seus batuques, cantos, coreografias e artes visuais, a presença da torcida organizada interfere não somente nos espectadores das partidas, mas no brio dos que estão dentro das quatro linhas.

Se a presença de torcida praticamente transforma um esporte em outro, o que ficou explícito nas partidas televisionadas onde não houve a presença de público nos estádios devido a pandemia, a presença da torcida organizada também transforma o esporte. Futebol sem torcida é uma coisa, futebol com torcida é outra, e futebol com torcida organizada é uma terceira coisa diferente das duas.

Porém, nem só de méritos se faz a realidade das torcidas organizadas. Essas entidades, que a mídia burguesa adora criminalizar buscando atender aos seus interesses privados de classe, dão munição aos seus críticos mais vorazes.

É sabido que as organizadas são entidades plurais com diferenças significativas entre seus membros, com divergências políticas e diferentes condutas. Mas também é sabido que todas elas possuem o seu setor de “pista”, sua linha de frente, que são os que caem na briga com outras torcidas. Essas pessoas são maioria? São diretamente ligadas à direção da torcida organizada? São perguntas pertinentes mas que não alteram a constatação do fenômeno visto de forma geral.

Recentemente a Gaviões da Fiel publicou uma nota questionando a Federação Paulista de Futebol e a Polícia Militar por “marcar e autorizar a realização de dois jogos no mesmo dia, com horários próximos, de duas torcidas organizadas rivais da capital paulista”, já que estas utilizariam a mesma linha de metrô e afirmam que não se responsabilizariam pelos “possíveis confrontos”.

É inegável que a nota é um passo no sentido de impedir brigas, isso deve ser dito. Mas também é perceptível que a organizada busca se desresponsabilizar pelos conflitos que possam acontecer. Apenas a Federação e a Polícia terão responsabilidade caso ocorra qualquer briga? A nota transmite em suas entrelinhas uma concepção viril, até bélica, de torcida organizada. Como se houvesse nos sujeitos um instinto animal intransponível, seres humanos violentos por natureza. Torcedores de futebol não são crianças, embora exista adolescentes entre eles. São adultos que possuem responsabilidades pelos seus atos.

Sim, há um contexto de violência que deve ser considerado. A violência da torcida de futebol é produto de uma violência cotidiana produzida pela burguesia e por seu Estado burguês. Como pontua Milly Lacombe em sua coluna do dia 23/01/22, o transporte público precário é uma violência, a carestia também é uma violência, assim como o abuso sexual sofrido pelas torcedoras, e afirma que se você trata o torcedor como um bicho, ele vai se comportar como um bicho. O poeta alemão Brecht tem um poema bem elucidativo acerca da questão: “do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”.

Conhecer o contexto é fundamental para uma análise correta sobre a violência das torcidas organizadas, só que nos limitando ao contexto não damos conta da totalidade.

Um trabalhador fura uma greve na fábrica pois corre o risco de ser demitido. Compreendemos o contexto que leva o trabalhador a furar a greve e enfraquecer o movimento? Claro. O risco de ficar sem seu ganha pão e ter dificuldades em sustentar a família é iminente. Mas os trabalhadores que estão na greve lutando por melhores salários também correm o mesmo risco. Entender o que leva o fura-greve a fazer o que fez não impossibilita que julguemos errada sua ação. Não responsabilizarmos o trabalhador fura-greve por suas ações é infantilizá-lo, é dizer que ele não tinha outra opção. Até que ponto não estamos infantilizando as torcidas organizadas justificando suas ações pelo contexto em que vivemos?

Possuir uma concepção relativista da violência entre torcidas é desconsiderar que as pessoas que as integram são trabalhadores, sujeitos de uma história que não é dada.

O conflito que permeia nossa vida é a luta de classes. A luta entre os que produzem as riquezas mas que são privados de usufruir das coisas que produzem contra os que se apropriam da riqueza produzidas por outros. A luta contra a retirada de direitos, pela aposentadoria, por um serviço público de qualidade, por um salário digno, etc. A luta de classes é o motor da história, e não a luta entre torcidas. O objetivo histórico da classe trabalhadora não é a ditadura tricolor, alvinegra, ou alviverde, é a ditadura do proletariado.

Na classe trabalhadora há tricolores, corintianos, flamenguistas, palmeirenses, santistas, entre vários outros, e esses compõe a classe trabalhadora. A conquista do poder político deve ser obra da classe unida, já que torcedores de diferentes times não são inimigos. O inimigo é outro.

Como diz a Internacional: “paz entre nós, guerra aos senhores”, ou, parodiando o Manifesto do Partido Comunista: organizadas de todo o Brasil, uni-vos!

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