quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Movimentos identitários

A grande diferença entre o movimento negro, movimento feminista e o lgbt+, é um tem relação direta com a luta de classes e os outros não. Um deles nasce no centro da luta dos trabalhadores e os outros com um pé lá e outro cá.
Falar de racismo no Brasil é falar de classes sociais. O primeiro modo de produção brasileiro foi escravagista. Toda uma economia baseada na força de trabalho escrava, pessoas que eram tratadas como propriedade privada, e esse modo de produção durou mais de 300 anos. O modo de produção brasileiro que substituiu o escravagista foi o capitalista, que apesar de superar algumas amarras do modo anterior é carregado de seus elementos. Um desses elementos, um dos principais, é o racismo. O racismo é estrutural no sistema capitalista porque na medida que os negros recebem menores salários, aumenta-se o lucro dos patrões destes. A esmagadora maioria da população negra brasileira é trabalhadora e não patronal. Então, falar de racismo é falar de luta de classes. E se não é, deveria ser.
Mas o movimento feminista difere nessa perspectiva do movimento negro. Falar de machismo não é necessariamente falar de luta de classes. Não apenas as trabalhadoras sofrem dede machismo, mas as burguesas também, não da mesma forma que as mulheres trabalhadores mas também sofrem. Quando a trabalhadora apanha do marido que virou uma garrafa de 51, ela engole o choro, vai buscar os filhos na escola e volta pro trabalho, tendo que seguir e fazer a janta. A burguesa quando apanha do marido vai pra terapia, tira uma semana no spa, e pede pra empregada buscar os burguesinhos na escola. As duas sofrem do machismo em diferentes contextos.
Ao ver a notícia de que centenas de mulheres foram estupradas por João de Deus, não nos importa muito a que classe essas mulheres pertencem para nos indignar. Nenhum ser humano merece passar por isso. Mas é inegável que as mulheres ricas responderão à isso de maneira diferente. Quando a Katia Abreu (guerreira contra o golpe) jogou vinho na cara do Serra confesso ter dado um sorriso de canto de boca. Foi bacana imaginar a cara do Vampiro cheia de sangue. Mas por outro lado seria um absurdo comemorar como o lacre de uma mulher emponderada. E foi um absurdo, pois comemoraram. Katia Abreu, latifundiária, burguesa, possui trabalhadores em condições análogas à escravidão em suas fazendas... é essa mulher que simboliza uma luta? Sim, de uma parte da luta do movimento feminista é, do feminismo que desconsidera a questão de classe.
Katia Abreu, Luiza Trajano, Thatcher, Le Penn, mulheres da família Civita, Frias, Setúbal, Votorantin, e todas as burguesas não merecem sofrer violência pelo simples fato de serem mulheres. Não merecem passar a vida na cozinha, cuidando sozinha dos filhos, serem agredidas, sofrerem estupro, ou qualquer misoginia ou serem estereotipadas. Aprender com o movimento feminista é fundamental para a classe trabalhadora que luta por um mundo sem explorados ou exploradores.
Se há mulheres em nossa classe a luta contra o machismo deve ser uma de nossas trincheiras. No entanto, enquanto o discurso hegemônico diz que as mulheres conquistaram o direito a trabalhar, há uma realidade de muitas que não condiz com esse discurso. Enquanto a algumas mulheres de fato não era permitido o trabalho, para a grande maioria o trabalho era uma necessidade de sobrevivência. Não apenas uma jornada de trabalho, mas várias. Trabalha-se em um trabalho regular, trabalha-se em bicos para complementar renda e trabalha-se em casa com serviços domésticos. Mas para o feminismo acadêmico, para a vertente palatável do movimento, só há o feminismo do não-trabalho. Será esse feminismo que libertará as mulheres da classe trabalhadora de seus algozes?
Evelyn Reed é enfática quanto à isso:
"Dezenas de mulheres participaram da manifestação de Washington, contra a guerra do Vietnã, em novembro de 1969, e depois em maio de 1970. Tinham mais coisas em comum com os militantes homens que marchavam ao seu lado, ou com a senhora Nixon, suas filhas e a esposa do procurador geral, que de suas janelas olhavam com desagrado aquela multidão e viam ali o espectro da uma nova revolução russa? Quem são os melhores aliados das mulheres no combate por sua libertação? As esposas dos banqueiros, dos generais, dos advogados abastados, dos grandes industriais, ou os trabalhadores negros e brancos que lutam por sua própria libertação? Não estarão homens e mulheres, nos dois lados da luta de classes? Se não é assim, a luta deve se voltar contra homens, mais do que contra o sistema capitalista."
Ultimamente a Rede Globo tem inserido constantemente em sua programação as pautas identitárias e as opressões. A noturna Fernanda Lima é a nova liderança junta a seus convidados e Fátima Bernardes faz a lacração matinal tendo Kéfera como a última diva. Nos intervalos, comerciais lacradores surgem há alguns anos buscando ampliar as vendas como se comprando certos produtos estivéssemos lutando contra as opressões, como se existissem empresas com """"responsabilidade social"""". Devemos ficar de olhos abertos aos cavalos de tróia que surgem por todos os lados, do lacre ao lucro em 2 minutos. Quando a família Marinho começa a intensificar um discurso contra as opressões é necessário sabermos o que está vindo por ai. Eles e seus sócios, os que moram em seus condomínios, que viajam junto à eles e são convidados de suas festas, que andam de iate e carro importado, não deixarão de explorar as mulheres trabalhadoras. Eles apenas cooptarão a narrativa de que o inimigo das mulheres são os homens. Que os inimigos dos negros são os brancos. Ainda que esses homens e brancos sejam um desempregado com uma família pra criar ou um morador de rua.
Se no capitalismo o machismo com certeza não acabará, quando nós o derrubarmos também não é a certeza de seu fim, mas sem dúvida se abrirá a possibilidade.

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